sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Camélia

Depois de dez anos, voltou a me ligar. Quer me ver. Eu que não quero mais. Mentiu várias vezes, dizendo que está solteira. Já tive de pular janela e muro alto para que o coitado da vez não nos pegasse em flagrante. Porque ela não pode sossegar? Não vê quanto problemas arrumou com essa fome insaciável? Doença mesmo. Eu tenho até dó. Expulsa da casa da irmã, na folia com o cunhado. Na sua tia, não durou um mês, se achou com o primo e saiu escorraçada. Na outra irmã mais velha, ficou de dengos com um e outro sobrinho e a inevitável briga entre eles, enquanto ela se saia de fino. Foi pros lados de Pinhais, na casa da amiga da madrinha, cuidar de criança. No primeiro piscar de olhos, acharam sua calcinha pela cama. O marido da dona não soube disfarçar. Voltou ás pressas para Araucária. Depois da tempestade foi aparecer no Bar Bonanza, bebadaça rolando pelo chão. Dormiu no relento, depois que as portas se fecharam. Ficou perambulando pela casa de algumas amigas. Não podia mais por os pés na vila. Uma renca de meninas queria pegá-la. Dormiu com o namorado de duas. Sua mãe comprou uma chácara nos confins de Contenda, mudou-se para lá. Voltamos a nos ver, mas a irrecuperável pulou a cerca do vizinho, um polacão batateiro. Explicou-me inúmeros motivos para terminarmos. Disse que estava sendo pressionada. Voltei a pé, de carona, de charrete, como pude. Abandonado no fim de mundo, na beira da estrada rural. O tal polaco fazendeiro, cego de amores, tocou a mulher de casa e chamou a guria para morar junto. No final das contas, sua mãe ficou com ele. Um rolo, uma folia danada. Não durou muito e logo estávamos aos agarros pela Praça do Seminário. Sumiu e reapareceu de cabelo pintado, rebolando na TV pela madrugada, em um programa de strip-tease. Saiu no jornal, nas triboladas. Alugou uma casa no Morro do Piolho, voltou a estudar, mas depois que a reconheceram como capa de um filme pornô, não teve mais sossego. Tentou engatar mais romances. Sem êxito. Sempre descobriam sua vida dupla. Além do pouco dinheiro, não conheceu ninguém que preste. Zanzou no Beira rio até me encontrar. Desesperada, pediu ajuda. Enroscou-se com negócio de drogas e tudo mais. Tomei coragem e fui procurar seu pai para lembrá-lo de sua responsabilidade para com ela. Ela precisava de um lar, de conselhos, de um arrimo. Apesar do som ligado no último e da roupa pingando no varal, o que daria a entender que havia gente na casa, cheguei numa má hora, o homem estava no fritz-fretz com a enteada. Sai correndo, sem reação. Lembrei-me de certa bebedeira, em que ouvi histórias de sua família, sobre incesto. Eu que pensei que fosse brincadeira, caí na real. Somos um produto do meio ambiente em que vivemos. Crédo! Com uma raça tresloucada dessas, o que esperar? Qual índole? Coitada dela. Tenho até dó. Com certeza, um nó na cabeça. Agora, atrás de um balcão de uma zoninha no pé da Serra, vem me ligar e declarar-se desimpedida. Tudo liberado. E antes não era?