domingo, 15 de fevereiro de 2015

O rolista


Atormentado pela mãe, acompanhou-a até o bingo da paróquia. Festa animada, todo o povo da vila se divertindo. Peixe fora do aquário que é, sentiu-se incomodado com a animação das mesas vizinhas. Comprou um bilhete para não ficar de fora. Tirou a sorte grande. De posse da cartela premiada, descobre-se ganhador de um sensacional carro zero quilometro. Zerinho, zero bala - anuncia o narrador.
O padre, o prefeito, vereadores, moças modelos e empresários vem cumprimentá-lo, acenar, tirar fotos para o jornal. O princípio de sua derrocada moral.
O veículo tem seu bônus: uma nova rotina, um novo pique, um motivo para viver. Folia adoidada é feijão-com-arroz. Festança prá cá, manguaça para lá, sem parar...
Companheiros fiéis surgem do nada, brotam do chão. Amigos do peito de ultima hora rodeiam sua mesa. Interesseiros disfarçados pagam todas a troco de uma carona para o centro. Sua presença agora é constante na frente do Bakana's. Apenas para constar - cuidando do movimento.
Invejoso que é, emprestou a barca do camarada para dar uma volta e sentir o motor. No minuto de bobeira, o infeliz bate o carro. Nada de grave, foi de leve, mas sem emprego e sem meios de pagar o prejuízo, obriga-se a trocar seu possante pelo carro que ele amassou.
Os camaradas atiçam o descontrole e num destes barulhos do meio da semana foi parar numa zona, ali pelos lados da Estação.
Faixas do Tavares, anunciam com sugestivo nome, a Festa do Escova-dentes. As primas com suas micro saias embelezam as famosas escadarias e atendem os rapazes com malicioso sorriso no rosto. Bem poucas atrizes tem esse dom para manipular pessoas. Um cerveja para iniciar a conversa, mais uma para a aproximação. Sugerindo os mais caros drinques para levantar o ânimo, roçam seus corpos como parte do banquete.
Outro bando, aparentemente do dinheiro, chega apavorando com carrão melhor e uma das moçoilas faz a sala. Para depois ir pro quarto.
Seu atos falam mais alto que o pensamento. Para que perder tempo com perdedores que planejam interas para uma caipirinha? Quem tem, não hesita em mandar descer um balde de biritas.
Achou um absurdo que uma delas foi dar atenção pra outro.
Eis o estado lamentável em que o ser humano chega: Ciúme até de puta!
Dois toques para arranjar briga. Deu meio-dia. Cadeiras voam, garrafas se quebram, copos estilhaçam e os pipocos comem soltos. Pancadaria da grossa. Nessas horas, leões de chácara são sempre do contra.
Meia dúzia de tiros na lataria para complicar ainda mais. Na fuga, a policia ainda o enquadra por direção perigosa. Geral, esporro, multa, quase apreensão.
Dali para frente, de rolo em rolo, perdas em perdas, em suas mãos sobrou apenas a carcaça de um velho fusca. Sem motor e a esperança de concertá-lo..
As crianças surrupiam a tranqueira para descer as ladeiras do Beira Rio. Como um rolimã coletivo.
Empurram para baixo e para cima o pedaço de metal, apelidado carinhosamente de Boizé. Picharam o fuque na primeira oportunidade. Infância feliz para estes.
Depois de tanto engano, a lata velha vale um par de cavalos. Consegue um emprego de chacareiro nas colônias e muda-se da vila. Diante das circunstâncias, com os dois potros sem pasto, foi um bom negócio.
Os bons ventos que anunciam o fim da crise voltam como redemoinho.
Depois de um breve sumiço, é visto de novo pela cidade. Todo zoado, sujo e maltrapilho. Volta empurrando uma bicicleta barra forte, com mega-fone na mão e alto falante na garupa.
Boatos correm de que ele prega em movimento. Nunca foi disso, nada de santo. Mais fácil dizer insanidades do que ladainhas.
- Por que homenagens ao soldado desconhecido? Ninguém vê tudo o que passei? - A inveja alcança o patamar da esquizofrenia.
- Sou o leão em cima de um pinhão!
Sorte de que a ladeira é íngreme e ele aproveita o embalo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Criancices


Amanda

- Pai, aqui é fábrica do quê?
- De lápis, filha.
- E esta aqui do que é?
- Não sei, filha.
- Ah! Já sei. Aqui que fazem as nuvens.


Henrique

- Pai, aqui é fábrica de quê?
- Aqui fazem petróleo, filho.
- Ah! Eu vi na escola. A professora ensinou. Então tem osso de dinossauro enterrado aqui debaixo?
- É. Acho que tem.


Patrique

- Pai, aqui é fábrica do quê?
- De gás, filho.
- E esta fábrica do que é?
- De papel.
- Ixi! Que papel fedido!


Nelci

- Pai, o que é aqui?
- Uma granja, filha.
- Mas o que eles fazem?
- Ah! Ovo!


Luiza

- Pai, aqui é fábrica de quê?
- De frango, filha.
- Mas como é que eles fabricam?

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Ando por uma Araucária

Ando por uma Araucária bem mais tímida, caminho por veredas escondidas. Sempre moça, linda irmã mais nova, bicho do mato, inocente vizinha pobre e coitadinha. Torce-se o nariz e ninguém amaina o olhar de canto.
Araucária do manso e poluído Iguaçu, onde o pingo de chuva é o purgatório do cárcere. Seus tons de cinza competem, entre céu e água.
Dos colonos, de tradição, de mundos tão próximos e tão distantes. Essa sempre nova cidade-dormitório deveria conhecer a colônia. Onde não se dorme, onde o verdadeiro suor é derramado no arado. Sob o sol á pique o afinco indestrutível dos polacos.
Um tobata, uns terneiros, uns alqueires e uns litros de bracatinga para se viver. Dá para ir até a praia, e eles ainda não chegaram no Ponzal. Duas horas de viagem em estrada de chão. Se perder o ônibus, só Deus sabe.
Araucária das escadarias do Tropical. Apesar da simpatia o chão está sujo de sangue... Que lombras!
Perco-me pelos becos do Maranhão, da empoeirada rotatória. Quando o gari sair de férias e parar de tirar areia, se preparem para a duna. A criançada esperta anda treinando bundacross nas obras do futuro Uirapuru.
No beco oferecem-me uma coisa. Uma coisa, não sei o que é. Nunca parei para saber e atento às tradições, não converso com estranhos. A gente finge que não conhece todos os vizinhos.
Na curva do São Sebastião, o bangalô assume ares fantasmagóricos.
Cidade da festa anual obrigatória no parque. Únicos shows de nossas vidas. Como é possível ter gente de fora vindo prá cá? A gente nunca sairia daqui. Imagine se largar para um lugar desconhecido!
Ando, caminho mais e não descubro as plantações secretas de pêssego.
Araucária do Bar Ki-samba. Onde os tiozinhos, na vanêra, caçam amor e falta de compromisso em meio a cubas e stanheger. O garanhão da madrugada percorre o salão com uma morena, saracoteando e feliz. Orfãos do Colúmbia, orfãos do Operário, orfãos do União.
Quando acaba a madrugada a piazada sai do baile aos uivos, aos urros, aos gritos, acordando a vila inteira. Arruaça na madrugada não é raiva. Saibamos compreender a imaturidade juvenil.
Cidade da Feira do Peixe Vivo. Quem mata o coitado do bichinho? Deveriam vender aquários, ao invés de lucrar com a sua morte.
Da pista de skate abandonada, foste alegria na geada e em solitárias viradas de ano. Os skatistas nas ruas de terra e sem a tabuinha para brincar.
Do Chimbituva. No alto, o mirante com vista para lugar algum... Os morangos do japonês!
Cidade assassina de rios, por ali outro sumidouro de leitos. A paisagem feita pintura, só na Cachimba ao longe.
O bom povo crente, que sempre inspirou simplicidade. Graças a Deus, a salvação! Temos mais igrejas do que bares pelas ruas do Tindiquera. Igrejas que, no crepúsculo, rasgam o silêncio, clamando na amargura e expulsando demônios ao microfone ecoante.
Ando na Araucária das briguinhas entre Werka e Szymanski. “Ouvi um boato que tá vindo toda a turma de lá”. Como se fosse possível todo um colégio se unir. “Vai ter briga na saída!”. Incrível, certos momentos em que nenhum adulto aparece e as meninas se arranham, perdem as roupas e cabelos rolando no asfalto. Eis o chão dos briosos tingüís.
Minha melhor Araucária está no Seu Jaime, na casa da virgem que desmaia, na antiga casa da babá pigmeu, Osmarinho, Zé Macaco, o velho barreiro, o cobrador. Todos aqueles bons rostos conhecidos. O Pivete no muro que a tudo vê. A fazenda da Polaca. No campo do Bastião, tomo posse da bola, mas me canso até o gol.
Todos nascem como mito do batateiro da caroça de repolho!
Na descida e na subida do Szymanski.
O onipresente pinheiro não nos deixa esquecer os resquícios de nossas raízes.
Tindiquera, donzela de frescor juvenil brinca com petróleo a teus pés.
Araucária, terra de desconhecidos. A mão na boca escondendo os dentes, a simplicidade sem orgulho.
Ladeia a linda Cidade Sorriso, uma cidade feita de luz. Sou daqueles que gostam de penumbra. É um diamante bruto, e nos teus humildes encantos andei e não me esqueço!

(extraído do E-book Crônicas Araucarienses)

Araucariês


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Araugames
Arauseg
Araucontro
Araugás
Araumóveis
Araufer
Arauset
Araucell
Araupet
Araucária
Graciosa


(retirado do E-book Crônicas Araucarienses)