quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Ao Velho Tibiriçá


Meu avô, cumpro mais uma vez a promessa de lhe escrever.
Como estão todos por aí?
Dei pouso para Irmão Leão por estes dias, até ele se ajeitar. Ele aguarda o resultado do raul para uma parada em Telêmaco. O ferramenta com certeza passa. Para mim, nada de teste. Difícil de quebrar esta panela.
Cruzei com Da Hora arranhando tela. O pelego desceu prá Itajaí com Junior Latinha. Anda sempre torcendo para que não puxem sua capivara. Tem medo, depois do que aprontou lá em Barcarena. Teve até que morder a boca para poder fugir da encrenca.
Tenho feito muita correria. Ainda não estou urrando. Guardei parte de minha quita, como o senhor sempre nos ensinou. Solange não aguentou ficar em casa e arranjou emprego num mercadinho aqui de perto.
Continua aquele frio de lascar. Quando estou batendo queixo, para eles é fresquinho. Tem de andar todo encapotado, se não é barril!
Bem, a obra de ampliação na Refinaria chegou ao fim dos três anos, comprei barato um terreno por aqui e logo montei um barraco simples. Engatei outro serviço na cidade da Lapa e mais um tempo em Pontal do Sul na obra do Eike Batista. Tudo perto. Saí com a mão afiada na TIG. O cascudão faço de olhos fechados.
Por mais que o tio Deto me ligasse e o desaconselhasse a ficar, até agora tinha dado tudo certo. Para mim Araucária, ainda era a terra das oportunidades e eu sonhava dar uma vida estável para minhas família.
Acabei com nossa tradição do trecho e tenho me danado por causa desta decisão.
A pior coisa foi ter fincado raízes. Acabou o emprego, as filhas na escola, o ano pela metade e as contas para pagar.
Esta crise de corrupção paralisou obras em toda parte e não há mais contratações. Pode ser com o esquente que for, todos são encaminhados para preencher ficha de cadastro e aguardar. O que eu vi de carterão...
Meio mundo de gente de fora, esperando uma próxima parada. Veio janeiro, carnaval, abril, maio, junho e nada. Só de ouvir o boato, foram chegando milhares de peões. E em julho começou a clarear, quando algumas empresas apareceram no SINE.
Pelo que sei, aconteceram reuniões secretas e indicações de gente de costa quente.
Imagine você acordar cedo para procurar emprego e outra pessoa só por ter um político conhecido se dar bem? As vagas somem antes do balcão de atendimento. A peãozada fez uma arruaça para protestar. E com razão.
O mais triste disso tudo, é saber que toda essa corja será reeleita.
Fiquei tempo demais por aqui e perdi muitos contatos. É ruim ver tanto mineiro chegando nas pousadas com vaga garantida. Faz parte. Já tive vezes de fichar pela porta, não pela janela. Muitos se zangam é claro. Pela primeira vez percebo o outro lado da questão.
Estive engajado em manifestações contra esta corrupção, paramos até a rodovia que corta a cidade. Ajudei o povo protestando contra a desintegração do transporte.
Logo o povo viu que tem mais forasteiro que galego e deram jeito de criar uma lei que ordena que a maioria das vagas devem ser preenchidas pelo povo daqui. Tá lenhado! Esquecem que os papa-pinhão vão para as paradas de Macaé, Rio Grande...
Sempre tive que lutar contra o preconceito de ser de Candeias, por essa fama de grevista que nossa cidade tem. Apenas por ter nascido baiano, o povo torce o nariz.
Não sou aceito como araucariense, mesmo pagando impostos e tendo título de eleitor e residência fixa aqui.
Somos uma nação, mas parece que alguns não tem o direito de ir e vir. Sou nordestino e honro qualquer lugar por onde eu passar.
A gente ouve uma série de absurdos. Dizem que baiano vivem ás custas de Bolsa Família. Se soubessem de toda nossa história. Meu falecido pai, que deixou o couro a vida toda neste mundão e nunca dava ousadia, Seria um quebra-pau se escutasse uma resenha dessas. Aquele ali era metido á cavalo do cão.
Se não for de atrás, o emprego não vem até sua casa - é o que ele sempre dizia.
Tenho muito orgulho de ter tido avô pedreiro, pai carpinteiro e em tornar-me soldador. Vim de uma nobre linhagem de trabalhadores peões que ajudaram a construir o Brasil.
Os mais ignorantes dizem que tem muito emprego por aí. Mas eu só sei trabalhar em obra. Comecei na carpintaria, depois fui prá montagem de tubulação e com muito custo parei na solda. Quem sabe um dia chegue a inspetor. Como é que vou procurar emprego em outra coisa, se tá no sangue ?
Tenho saudades de quando nos reuníamos para ouvir sobre suas andanças em Brasília, Paulo Afonso, Itaipu e os causos das mil paradas de meu pai em Camaçari.
Tantos amigos e tantas coisas boas o trecho nos proporcionou. Conheci Solange na obra da Revap, cada filha nasceu num canto.
Até parece que esqueci de seguir o rumo! Araucária não é lugar para ficar.
Resumindo: Estão para chamar nos próximos dias. Parada de seis meses. Ore por mim.
Deixe estar! Tudo vem no tempo certo, mas vou ficar por aqui até o final do ano.

Mande lembranças á Lambe-sal e Jogador.

Abraços. Inté.

Seu neto, Jeferson

sábado, 3 de outubro de 2015

Infante

Nas andanças pela vila, ele baixa no campinho de terra. Trata jogo sério á bico seco. Sobe a poeira.
Três litros batidas, uma garrafa para cada gol feito. É o combustível necessário para mais uma jornada.
Á troco de mais umas dose, serve de olheiro para os marginais do bareco, enquanto os tiozinhos saem irremediavelmente desorientados pela bebedeira. Manjando o gado, como diz a caterva.
Desce o Iguaçu de barquinho até uma ilhota secreta.

Do tipo que foge do trabalho. Um baita rapaz forte que adoece ao primeiro mês de rotina.
Do tipo que nega satisfação para qualquer vivente.
Do tipo que pouco se sabe. Só se vê passar.

Pescaria, caçar tatu, soltar raia, assar pinhão. O ermitão se ocupa com essas coisas de piá.
Desenrolado. De uma touceira de mato faz seu travesseiro. A fogueira e cachaça dispensam cobertor.
Sem muito bururu. Cada sol á pino anuncia outro dia a não se arrepender.
Foi embora após o garrafão secar. Alegre como menino, cheio de histórias para contar.
Sobe o Iguaçu de barquinho

Do tipo que joga sinuca como ninguém, até provarem o contrário.
Do tipo que desfere um soco, um empurrão e sai acuado, chiando como gambá.
Do tipo que promove confusão e ameaça voltar armado. E como pagaria as partidas, se não fosse assim?

Ás bordas da civilização, perambula sorrateiramente pelo beco do Jardim Norma, oferecendo um bagulho. Com o dinheiro em mãos, adentra o mocó, pula algumas cercas e some do mapa. Viciados e traficantes enganados querem seu couro. A um passo á frente, não tem quem o possa trair.
Ele prova a teoria da janela quebrada, lixeira revirada, parede pichada.
Oferece escuridão por toda parte, quebrando as lâmpadas dos postes.

Do tipo que não se sente culpa em odiar. Será que praga tão devastadora como esta tem coração?
Do tipo que tem poder sobre o alheio. Que se aproveita e se agiganta através do anonimato.
Do tipo que faz dos pinheiros e de sua vila, algo muito pequeno, uma natureza morta.

As nuvens escurecem e a tempestade se arma. Abriga-se em casa depois de tempos sem aparecer. Chovem sugestões de emprego, cursos e estágios. Empapuçado com as propostas, prepara a mochila galo de briga e segue á rodovia pedir carona, sentido Lapa.
Alguns milicos o têm por tolo. Para toda a Infantaria, um herói. Suas histórias aumentam a cada ronda, a cada sumiço, a cada sentinela.

Do tipo que inspira a muito outros. Péssima influência.
Do tipo que pedem a cabeça. Está pra nascer quem lhe põe um cabresto.
Do tipo que não suporta autoridade, patente, sermão.

Um mês na solitária não é o mesmo que estar á toa na vida. Tem uma desculpa para não se mexer do lado de fora. Em seu exílio, assovia e faz graça. Não vê a hora de enfrentar o Iguaçú, até chegar em sua clareira.
El general, ciente de suas andanças, sabe que a gaiola é pior castigo do que a expulsão.
Soam o morteiro, obuseiro, o canhão, mas a tristeza lhe acomete quando a tropa em marcha, cantarola algo que este não pode compartilhar:
- Ser útil é meu fim.