domingo, 15 de setembro de 2013

Tchau, Pico-pico !


Ah! Lapa... Linda Lapa - assim é sua fama.
Cidade onde araucarienses são caçados como vampiros, monstros, bruxos...
Camponeses correm com tochas e forquilha á mão. O bando tem experiência em busca e esquadrinha cada cantinho minuciosamente.
Toda esquina tem uma tropa procurando o único "corpo estranho".
Treinam o ano todo para massacrar o inimigo polaco desavisado. Este é o famoso Cerco da Lapa?
Deve ser porque vivem sob o signo da guerra. A que se foi com os maragatos e a que pode vir a qualquer momento. Ainda bem que não carregam o canhão.
Tem obra do Poty? Nem vejo. Passo correndo.
Centro histórico? Uma infinidade de casinhas centenárias, praticamente todas iguais. Nenhuma com a porta aberta para me esconder.
Iguais a túmulos. Em cada cova um batateiro que se vai.
O paralelepípedo molhado, não dá aderência aos pés. Sebo nas canelas. 
Me perco num beco com três mocinhas.
Lindas loirinhas, sereias polaquinhas, anjinhas galegas, musas barrocas de olhos verdes.
Uma dessas pede um beijo. Ficamos. 
Me disseram que os araucarienses são considerados metidos, insuportáveis. Mas para elas, eu não sou assim. Eu não sou assim. Bem melhor que isso. Baita encantamento. Ecoou na minha mente.
Se bem que nunca fui eleito o mais popular. Nem tenho muitos amigos. O clima e os corações são frios em Araucity.
Não é normal?
Enquanto fico de folia com as meninas, o bando de milicos prepara a emboscada.
Corro pelo labirinto lapeano até uma rua sem saída. Em situações desesperadas, medidas desesperadas.
Invado uma casa, entro sem bater e fecho a porta á chave. Imagine o choque das pessoas á mesa de jantar, tomando sopinha, sorvendo o caldo.
Pensam que é assalto.
Os trogloditas rodeiam a casa, com clavas e machadinhas. O moço pai de família tem paciência de monge para ouvir minha história.
Compreende e paga um taxi até alguns quarteirões dali.
Longe o suficiente para eu despistá-los e sumir de vez.  Tchau, pico-pico!
Como escapo, o quanto corro, como sobrevivo e como fui parar lá,  são detalhes que logo esquecerei.
De real e duradouro apenas o beijo dela.
...
Que fiasco!
Bem feito!

Araucariense, não se engane. Se alguém te convidar para alguma festa na Lapa. Cuidado. Pode ser a guilhotina. 

domingo, 1 de setembro de 2013

Cenário


O pai esbraveja. A mãe chora. O filho mais velho sumido.
- Mulher burra! Ele tem o direito de chegar tarde. E se quiser ir na zona? Vai ter que avisar para você?
- Fique quieto. Ele não é como você.
Enquanto me escondia debaixo das cobertas e fingia o sono, ouvi toda a briga. Concordei com o pai.
Meu irmão foi chegar mais tarde. Pegou um ônibus errado e voltou do centro á pé. Nada de mais.
Nunca contei a ele o que se passou na sua ausência.
Anos depois, munido dessa eterna permissão, corri atrás de minha identidade do jeito. Não disseram para correr atrás de seus sonhos? O meu era a delinquência.
Pilhei quintais á procura de latas de tinta.
Assaltei materiais de construção - em nome da arte.
Escalei prédios.
Vandalizei bancos.
Colecionei peças de orelhões.
Surfei estações-tubos.
Estilhacei vidraças.
Ripei inocentes na saída do colégio.
Explodi banheiros e módulos abandonados.
Colori Araucária com terror e bombas de cal.
Esmurrei postes - alucinado - quebrei-os.
Depredei tudo o que era sagrado - meu nome pichado em santos e igrejas.
Cortei mudas de Araucárias no facão.
Fiz emboscadas - roubei apenas um pé do par de tênis - por maldade.
Ateei o fogo que extinguiu a inocência dos piás da vila. Brincavam de bolinha de gude, caçar passarinho, nadar no ribeirão, até que proporcionei a luta, a aventura, as gangues, o espírito grupal, as guerras contra a caterva da Costeira.
O rancor dos jornais e das instituições, o tempo sara as feridas merecidas.
Tudo por um bem maior. Quantos não se inspiraram nos meus atos? Apelo para valores mais altos. Esta cidade precisava de agitação. Araucária, como sempre, muito careta. As conseqüências justificam o malfeito. Eu protegi aqueles garotos de levar uma vida insossa.
Meu lado racional fracassava contra os impulsos de rebeldia. Desci até becos abissais e briguei com todas as suas criaturas.
Era o saci! As fantasias de onipotência só pararam quando fui baleado por "leões de chácara".
Foi de raspão. Uma bela cicatriz para a coleção.
Mudei meu modus operandi. Escrever transmite mais idéias, do que pedra contra vidraça.
E meu irmão achou que tive coragem de arriscar tanto.  Ele não sabia que apenas fui vítima das circunstâncias.            Afinal, neste mundo, se não preciso contar, então é permitido.
Poupei-o de fazer um monte de besteiras.
Citando Nietzsche "O medo é o pai da moralidade".
Dois irmãos, eu era o órfão.