O pai esbraveja. A mãe chora. O
filho mais velho sumido.
- Mulher burra! Ele tem o direito
de chegar tarde. E se quiser ir na zona? Vai ter que avisar para você?
- Fique quieto. Ele não é como
você.
Enquanto me escondia debaixo das
cobertas e fingia o sono, ouvi toda a briga. Concordei com o pai.
Meu irmão foi chegar mais tarde.
Pegou um ônibus errado e voltou do centro á pé. Nada de mais.
Nunca contei a ele o que se
passou na sua ausência.
Anos depois, munido dessa eterna
permissão, corri atrás de minha identidade do jeito. Não disseram para correr
atrás de seus sonhos? O meu era a delinquência.
Pilhei quintais á procura de latas
de tinta.
Assaltei materiais de construção
- em nome da arte.
Escalei prédios.
Vandalizei bancos.
Colecionei peças de orelhões.
Surfei estações-tubos.
Estilhacei vidraças.
Ripei inocentes na saída do
colégio.
Explodi banheiros e módulos
abandonados.
Colori Araucária com terror e
bombas de cal.
Esmurrei postes - alucinado -
quebrei-os.
Depredei tudo o que era sagrado -
meu nome pichado em santos e igrejas.
Cortei mudas de Araucárias no
facão.
Fiz emboscadas - roubei apenas um
pé do par de tênis - por maldade.
Ateei o fogo que extinguiu a
inocência dos piás da vila. Brincavam de bolinha de gude, caçar passarinho,
nadar no ribeirão, até que proporcionei a luta, a aventura, as gangues, o espírito
grupal, as guerras contra a caterva da Costeira.
O rancor dos jornais e das
instituições, o tempo sara as feridas merecidas.
Tudo por um bem maior. Quantos
não se inspiraram nos meus atos? Apelo para valores mais altos. Esta cidade
precisava de agitação. Araucária, como sempre, muito careta. As conseqüências
justificam o malfeito. Eu protegi aqueles garotos de levar uma vida insossa.
Meu lado racional fracassava contra
os impulsos de rebeldia. Desci até becos abissais e briguei com todas as suas criaturas.
Era o saci! As fantasias de
onipotência só pararam quando fui baleado por "leões de chácara".
Foi de raspão. Uma bela cicatriz
para a coleção.
Mudei meu modus operandi.
Escrever transmite mais idéias, do que pedra contra vidraça.
E meu irmão achou que tive
coragem de arriscar tanto. Ele não sabia
que apenas fui vítima das circunstâncias. Afinal,
neste mundo, se não preciso contar, então é permitido.
Poupei-o de fazer um monte de
besteiras.
Citando Nietzsche "O medo é
o pai da moralidade".
Dois irmãos, eu era o órfão.
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