terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Peleia


Pocoloco, Magnólia, Miojo, Seu Araré, Polaco, Mumú, Seu João, Éto, Nil, Pelô e várias candangas.
Pronta a tertúlia na casa do Seu Mário.
Churrasco fogo de chão comendo solto desde manhã. Carne á vontade, nem os guapécas latiam para reclamar.
Música gauchesca e uma quantidade infinita de cerveja. Justamente o que precisa para a velharada estar saracoteando semi-consciente de um lado para o outro.
Sinuca e truco para animar. A festa mais bagual que já fui.
Enquanto os xirús debatiam sobre vaneiras e milongas, descolei uma rede na varanda para ficar abraçadinho com ela. Mostrou-me seu dom para preparar caipirinhas mas preferia limão com sal. Destreza na faca, enchia o prato de rodelas para saborear. Gostei da peculiaridade.
O sogro gente fina, além do permisso para filha, vem oferecer cerveja trincando. Não deu certo. Misturei vinho, caipira, batida e béra. Logo o revertério. Passei mal mas até para isso a namorada prestava. Tratou-me a pão-de-ló. Colocou-me no colo, acudiu com toalha e limpou o chão sujo.
No meio do bate-coxa, uma piazada medonha entrou de fina pelo terreno. Seu Araré, até veio perguntar se eu conhecia os carçudos. Disse que não.
Quando o primeiro intruso foi escorraçado, tijolos e mais tijolos voaram para cima da casa como represália. Os penetras tinham mais uns parceiros na rua e tentaram invadir de vez.
Sentaram o braço nos malandros. O sogro faceiro pegou a garrucha e distribuiu tiro para todos os lados. Fez um baita estrago. Se animou um tanto ao esquadrinhar a vila a procura dos maloqueiros. Levou uma invertida. Voltou correndo, fugindo de uma catrefa muito maior.
Quando o bicho pegou, pulei o muro. Levei cerca de arame no peito, cruzei o matagal e sumi de vez. Mochila, umas roupas e o skate ficaram para trás. Nada me incomodou mais do que ter deixado ela.
Fui imaturo, fui covarde, mas naquele momento apenas segui o protocolo. Agi com o mais profundo racionalismo. Procurei um orelhão e chamei a policia para acabar com o entrevero e manter a ordem.
Acompanhei todo o aglomero, escondido, seguro a duas quadras de distância, prá baixo do Giona.
Em pouco tempo, os homens da lei chegaram e levaram todos presos. Inclusive ela, com uma faca de cozinha no bolso. O griteiro não a impediu de ir para o xilindró.
Fui embora com a culpa de insuflar os carrascos. Atrapalhei mais do que ajudei.
Circunstâncias de belas curvas me induziram a freqüentar outros ares nas semanas seguintes.
Não sabia qual a reação dela diante do meu sumiço, o meu impulso era de auto-punição. Seria mais adequado manter distância, pois não a merecia. O delator evita juras apaixonadas .
Eu tinha de dar satisfação para a guria, então apareci pelo Planalto, na manhã de sábado de Aleluia.
Sua mãe vem me atender com feição triste. Provavelmente forçada a mentir. Diz que a flor de morena não está em casa.
Ressabiado com todas as minhas traições, com possíveis beijos levianos de minha parte, demorei a entender o recado.
Em frente a casa, seus irmãos malham um Judas. O boneco tem minhas roupas e um pequeno cartaz abaixo do peito, onde aparece a palavra "covarde". Reconheço a caligrafia redondinha de uma velha carta de amor.
O menino me alerta com porrete em mãos:
- Ô vivente. A boca não é boa.
Perdi a peleia.
Volto de mãos abanando. A Manoel Ribas é pequena demais para me lembrar de algum vanerão contando derrota.