domingo, 1 de novembro de 2015

Anarchy In The AraU.K


O velho Melancia, foi ao posto de saúde e perguntou á atendente sobre seu remédio. Não tinha. Sem previsão. Perguntou do doutor. Não veio. Sem previsão.
Meia hora depois voltou carregando algumas ripas, martelo e um saco de pregos.
- Já tive um bar, sei como é isso. Quando o estoque acabou, eu estava endividado, com a corda no pescoço e não tive outra alternativa se não fechar de vez. Preguei as portas e fui me embora. Te aconselho a fazer o mesmo, moça. Prá que perder tempo aqui?
Enquanto se preparava para martelar, um alvoroço, alguns telefonemas e logo apareceu uma viatura. Algumas senhoras o alertaram. Ele despistou, saiu correndo, pulou o muro e vazou Jardim Planalto afora...
Discretamente o povo reage.
Já dizia Oiticica: seja malaco, seja herói.

...

O setor de odontologia do posto de saúde ficou meses interditado pela vigilância sanitária devido a proliferação de fungos motivado pela infiltração de água no teto. A prefeitura reformou a cobertura e só. Virou as costas. A parte interna do setor ainda contaminada era um entrave para a questão.
Foram inúmeras reclamações dos moradores, mas as reivindicações não foram ouvidas pelo governo.
O filho da servente do posto, indignado com esta inoperância, tomou a iniciativa comprou latas de tintas e outros materiais de construção e pôs a mão á obra. Deixou tudo nos trinques e o setor voltou a funcionar.
O ilustre desconhecido não se lança em campanhas, nem tem press release a seu favor. As mil promessas registradas em cartório pelo governante, de nada lhe serviram.
Muito se fala sobre a necessidade de mudanças. Ações efetivas são mais produtivas do que clamar por novas chances em outra eleição, daqui a sabe se lá quantos anos.
Já dizia um velho punk: faça você mesmo, piá!

...



Para o romancista inglês Bernard Shaw, esmola doada á caridade desobriga o governo de cumprir sua função social.
Para o ex-motorista araucariense Labamba, o ato de ajudar a cidade também trata-se de manifestação cultural. O moço pegou uma geladeira velha, encheu de livros e improvisou uma biblioteca pública no ponto de ônibus, em frente á sua casa.
Repassar informação adiante, sem onerar o autor pode ser pirataria, mas para a vizinhança da Estação, que espera inerte algum sinal de vida da Prefeitura, é um ato de amor.
Acho que neste gesto, ele não incentiva a desobediência civil. Apenas quis dar uma mãozinha, e á sua maneira interpretar o conceito punk do "faça você mesmo".
Afinal as pessoas podem ser capazes de seguirem sua vidas, e tentar progredir sem depender de autoridades em sua vidas, incentivando ou violando sua liberdade de expressão.
Na expectativa de dias melhores, ele é mais um Pigmaleão, esculpindo de forma libertária alguns seres humanos. E quem sabe, caros leitores, vocês façam o mesmo?

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Ao Velho Tibiriçá


Meu avô, cumpro mais uma vez a promessa de lhe escrever.
Como estão todos por aí?
Dei pouso para Irmão Leão por estes dias, até ele se ajeitar. Ele aguarda o resultado do raul para uma parada em Telêmaco. O ferramenta com certeza passa. Para mim, nada de teste. Difícil de quebrar esta panela.
Cruzei com Da Hora arranhando tela. O pelego desceu prá Itajaí com Junior Latinha. Anda sempre torcendo para que não puxem sua capivara. Tem medo, depois do que aprontou lá em Barcarena. Teve até que morder a boca para poder fugir da encrenca.
Tenho feito muita correria. Ainda não estou urrando. Guardei parte de minha quita, como o senhor sempre nos ensinou. Solange não aguentou ficar em casa e arranjou emprego num mercadinho aqui de perto.
Continua aquele frio de lascar. Quando estou batendo queixo, para eles é fresquinho. Tem de andar todo encapotado, se não é barril!
Bem, a obra de ampliação na Refinaria chegou ao fim dos três anos, comprei barato um terreno por aqui e logo montei um barraco simples. Engatei outro serviço na cidade da Lapa e mais um tempo em Pontal do Sul na obra do Eike Batista. Tudo perto. Saí com a mão afiada na TIG. O cascudão faço de olhos fechados.
Por mais que o tio Deto me ligasse e o desaconselhasse a ficar, até agora tinha dado tudo certo. Para mim Araucária, ainda era a terra das oportunidades e eu sonhava dar uma vida estável para minhas família.
Acabei com nossa tradição do trecho e tenho me danado por causa desta decisão.
A pior coisa foi ter fincado raízes. Acabou o emprego, as filhas na escola, o ano pela metade e as contas para pagar.
Esta crise de corrupção paralisou obras em toda parte e não há mais contratações. Pode ser com o esquente que for, todos são encaminhados para preencher ficha de cadastro e aguardar. O que eu vi de carterão...
Meio mundo de gente de fora, esperando uma próxima parada. Veio janeiro, carnaval, abril, maio, junho e nada. Só de ouvir o boato, foram chegando milhares de peões. E em julho começou a clarear, quando algumas empresas apareceram no SINE.
Pelo que sei, aconteceram reuniões secretas e indicações de gente de costa quente.
Imagine você acordar cedo para procurar emprego e outra pessoa só por ter um político conhecido se dar bem? As vagas somem antes do balcão de atendimento. A peãozada fez uma arruaça para protestar. E com razão.
O mais triste disso tudo, é saber que toda essa corja será reeleita.
Fiquei tempo demais por aqui e perdi muitos contatos. É ruim ver tanto mineiro chegando nas pousadas com vaga garantida. Faz parte. Já tive vezes de fichar pela porta, não pela janela. Muitos se zangam é claro. Pela primeira vez percebo o outro lado da questão.
Estive engajado em manifestações contra esta corrupção, paramos até a rodovia que corta a cidade. Ajudei o povo protestando contra a desintegração do transporte.
Logo o povo viu que tem mais forasteiro que galego e deram jeito de criar uma lei que ordena que a maioria das vagas devem ser preenchidas pelo povo daqui. Tá lenhado! Esquecem que os papa-pinhão vão para as paradas de Macaé, Rio Grande...
Sempre tive que lutar contra o preconceito de ser de Candeias, por essa fama de grevista que nossa cidade tem. Apenas por ter nascido baiano, o povo torce o nariz.
Não sou aceito como araucariense, mesmo pagando impostos e tendo título de eleitor e residência fixa aqui.
Somos uma nação, mas parece que alguns não tem o direito de ir e vir. Sou nordestino e honro qualquer lugar por onde eu passar.
A gente ouve uma série de absurdos. Dizem que baiano vivem ás custas de Bolsa Família. Se soubessem de toda nossa história. Meu falecido pai, que deixou o couro a vida toda neste mundão e nunca dava ousadia, Seria um quebra-pau se escutasse uma resenha dessas. Aquele ali era metido á cavalo do cão.
Se não for de atrás, o emprego não vem até sua casa - é o que ele sempre dizia.
Tenho muito orgulho de ter tido avô pedreiro, pai carpinteiro e em tornar-me soldador. Vim de uma nobre linhagem de trabalhadores peões que ajudaram a construir o Brasil.
Os mais ignorantes dizem que tem muito emprego por aí. Mas eu só sei trabalhar em obra. Comecei na carpintaria, depois fui prá montagem de tubulação e com muito custo parei na solda. Quem sabe um dia chegue a inspetor. Como é que vou procurar emprego em outra coisa, se tá no sangue ?
Tenho saudades de quando nos reuníamos para ouvir sobre suas andanças em Brasília, Paulo Afonso, Itaipu e os causos das mil paradas de meu pai em Camaçari.
Tantos amigos e tantas coisas boas o trecho nos proporcionou. Conheci Solange na obra da Revap, cada filha nasceu num canto.
Até parece que esqueci de seguir o rumo! Araucária não é lugar para ficar.
Resumindo: Estão para chamar nos próximos dias. Parada de seis meses. Ore por mim.
Deixe estar! Tudo vem no tempo certo, mas vou ficar por aqui até o final do ano.

Mande lembranças á Lambe-sal e Jogador.

Abraços. Inté.

Seu neto, Jeferson

sábado, 3 de outubro de 2015

Infante

Nas andanças pela vila, ele baixa no campinho de terra. Trata jogo sério á bico seco. Sobe a poeira.
Três litros batidas, uma garrafa para cada gol feito. É o combustível necessário para mais uma jornada.
Á troco de mais umas dose, serve de olheiro para os marginais do bareco, enquanto os tiozinhos saem irremediavelmente desorientados pela bebedeira. Manjando o gado, como diz a caterva.
Desce o Iguaçu de barquinho até uma ilhota secreta.

Do tipo que foge do trabalho. Um baita rapaz forte que adoece ao primeiro mês de rotina.
Do tipo que nega satisfação para qualquer vivente.
Do tipo que pouco se sabe. Só se vê passar.

Pescaria, caçar tatu, soltar raia, assar pinhão. O ermitão se ocupa com essas coisas de piá.
Desenrolado. De uma touceira de mato faz seu travesseiro. A fogueira e cachaça dispensam cobertor.
Sem muito bururu. Cada sol á pino anuncia outro dia a não se arrepender.
Foi embora após o garrafão secar. Alegre como menino, cheio de histórias para contar.
Sobe o Iguaçu de barquinho

Do tipo que joga sinuca como ninguém, até provarem o contrário.
Do tipo que desfere um soco, um empurrão e sai acuado, chiando como gambá.
Do tipo que promove confusão e ameaça voltar armado. E como pagaria as partidas, se não fosse assim?

Ás bordas da civilização, perambula sorrateiramente pelo beco do Jardim Norma, oferecendo um bagulho. Com o dinheiro em mãos, adentra o mocó, pula algumas cercas e some do mapa. Viciados e traficantes enganados querem seu couro. A um passo á frente, não tem quem o possa trair.
Ele prova a teoria da janela quebrada, lixeira revirada, parede pichada.
Oferece escuridão por toda parte, quebrando as lâmpadas dos postes.

Do tipo que não se sente culpa em odiar. Será que praga tão devastadora como esta tem coração?
Do tipo que tem poder sobre o alheio. Que se aproveita e se agiganta através do anonimato.
Do tipo que faz dos pinheiros e de sua vila, algo muito pequeno, uma natureza morta.

As nuvens escurecem e a tempestade se arma. Abriga-se em casa depois de tempos sem aparecer. Chovem sugestões de emprego, cursos e estágios. Empapuçado com as propostas, prepara a mochila galo de briga e segue á rodovia pedir carona, sentido Lapa.
Alguns milicos o têm por tolo. Para toda a Infantaria, um herói. Suas histórias aumentam a cada ronda, a cada sumiço, a cada sentinela.

Do tipo que inspira a muito outros. Péssima influência.
Do tipo que pedem a cabeça. Está pra nascer quem lhe põe um cabresto.
Do tipo que não suporta autoridade, patente, sermão.

Um mês na solitária não é o mesmo que estar á toa na vida. Tem uma desculpa para não se mexer do lado de fora. Em seu exílio, assovia e faz graça. Não vê a hora de enfrentar o Iguaçú, até chegar em sua clareira.
El general, ciente de suas andanças, sabe que a gaiola é pior castigo do que a expulsão.
Soam o morteiro, obuseiro, o canhão, mas a tristeza lhe acomete quando a tropa em marcha, cantarola algo que este não pode compartilhar:
- Ser útil é meu fim.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Lombafilia


Mané Zoada, a patrola passou por cima. A polaquinha mais nova do bar, o carro pegou de cheio. Seu Trizótis, foi surpreendido na subida. Gargamel, rodou na aquaplanagem e bateu num poste. Na descida do Szymanski, Seu Trizótis se arrebentou de magrela.
Em consequência, uma lombada a mais. Muitas a mais.
Não há caminho para se fugir delas. Vindo pelo São Sebastião, vindo pela principal. São dezenas por aqui ou ali. Em cada saliência no solo uma morte para contar. Estão aí a dar com o pé, todas essas vidas ceifadas no caos urbano.
Os anos se passam, surgem novas cabeças na administração do urbanismo que mudam os sentidos das ruas, montam rotatórias, implantam sinaleiros e enfim, retiram a lombada. A dor do impacto passou despercebida.
Motoristas loucos, de memória fraca, não evitam que surjam os quebra-molas.
A chuva leva a pequena coroa de flores. A pequena cruz fincada próximo ao meio fio também não suporta a ação dos vândalos.
Tenho um sonho. Cavar um buraco profundo e fincar o poste de aço. Com placa citando nome e data do óbito, inaugurar um novo logradouro para a cidade. Registrar, a primeira lombada fúnebre para informar o nome de inocentes vítimas á posteridade. Sem malograr os mártires araucarienses, e sem amenizar nossa mania por elevações no asfalto.

sábado, 9 de maio de 2015

Muganga


A vizinhança descobriu um pequeno caixão de criança vazio á beira do carreiro.
Um cachorro não me deixou dormir. Atropelado, agonizou por horas até enterrar-se na lama da chuva e desfalecer.
Uma vaca morreu no brejo.. Urubus em revoada no céu sentiam de longe o cheiro de carniça.
O açougueiro é suspeito de roubar alguns nacos de carne para vender.
Policia parou-me no beco. Queriam um bagulho. Arrebentaram o colar que ela me deu, riscaram meu cd de Tuch e levaram minha paz.
Voltei cedo para casa, depois que o gerente pegou-me roubando iogurte na descarga do caminhão. Neguei mesmo com bigode de leite e boca suja.
Um povo esquisito com roupas medievais desceu a ladeira, marchando com trombetas, flâmulas e bandeiras. Nenhum dos piás da esquina conseguiu explicação.
Um ônibus carregado de maloqueiros incitou mais guerras. A pedrada acertou uma dona inocente.
A manhã mais tenebrosa da vila é um passo a mais para o dia do Juízo Final.

Chinegrega


Rodeie a Praça. Não há nada para se ver.
Conte os passos ou ande de cabeça erguida. Daqui até a praça nada acontece.
Saia sozinho e sinta-se mais estranho que uma Araucária de Norfolk.
Vista uma camiseta de banda para atrair uma tribo.
Compareça as festas municipais. Pegue o microfone. Sorria e mexa o esqueleto.
Arrisque, encontre o sucesso, á la Jamil Snege e mantenha-se invisível.
Os melhores conselhos para se fazer amigos são nulos pela Archelau.
Deserte de suas convenções. Esse tal agito é psicológico.
Nada muda.
Sem sorrisos a mais.
Em montagens de fotos o esforço te tornará vitorioso.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Forfé

- O baiano me disse que além de gasolina, diesel e gás de cozinha, há também material radiativo fazendo funcionar certas máquinas.
- Imagine se explode!
- Deve ter dinamite também.
- Chalalau! Posso até sentir o cheiro de enxofre.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Arrebol


Bola e carrinho nunca me faltaram, mas ganhar de presente uma luneta mexeu com minha cabeça. Ganhei as referências certas para moldar minha personalidade.
Não entendia bulhufas de astronomia, sequer conhecia o espaço. Arriscava apenas a encontrar timidamente o Cruzeiro. Sem apontar o dedo para evitar verrugas, conforme advertiam os mais velhos.
Depois de algumas semanas o céu escuro ficou um tanto enfadonho e sem vida. Não foi por falta de entusiasmo com o brinquedo novo, mas ninguém resiste observar aquelas labaredas magistrais no alto das torres da Refinaria.
Nem quis saber a grandeza de Sirius ou se Betegeuse explodiria. As chamas ofuscam qualquer estrela.
- Que altura o fogaréu alcança? Que temperatura é essa que não derrete a estrutura metálica?
Os pontinhos luminosos formando a Via Láctea não tinham vez diante do fogo infernal alcançando as nuvens e incomodando os céus.
Fazia parte da minha rotina ir com meu pai até o centro e esperar minha mãe chegar da capital. Antes do Avenidas das nove horas aparecer eu sacava da luneta para ver o mundo mais de perto. Minha melhor brincadeira era essa janela indiscreta na boca da noite.
Com o tempo aprendi a ler os lábios, reconhecer elogios, premeditar gente se abraçando depois de muitas doses no bar Gauchita. Ver um certo grau de arrependimento dos bebuns, que trançando as pernas, desciam com certo receio ao Morro do Piolho. Seria cósmico, se não fosse trágico.
Quando o local de espera era o Cavalo Baio, minhas vistas queimavam espreitando o Seu Iarek martelando a bigorna e forjando o metal.
Orbitando por ali, o pedincho Pedro aprendia que um beijo vale bem mais que um real ás moças. Se a mulher é desatenta, então, solta um "casa comigo" em tom sério.
A Mulher-Elefante também pedia ajuda. Assim como os fandangueiros felizes tocando violas no dia de Reis.
Se até o prefeito calhava a subir o Paço e se divertir com foguetório na madrugada, ninguém mais poderia ser absolutamente sério.
Na minha invenção, todos eram suspeitos de ser heróis ou tarados do Werka. Focava as lentes para estudá-los. Descobrir os segredos do universo caótico dessa gente de pés rápidos, dessa gente caída na sarjeta.
Um dia, me pediram para ajustar a luneta para observar crateras na Lua. Eu não queria saber destas coisas. Com certa crueza de pensamento alegava a porção celestial de cada ser humano, com tanto a explorar.
A cada pôr do sol eu me perguntava:
- Seriam os batateiros astronautas?

sábado, 4 de abril de 2015

Dulangues


Na periferia de uma cidade-sorriso, ajo como ser metropolitano. Meu chão é o asfalto. Meu horizonte é feito de nuvens de fumaça, torres e labaredas.
Meu meio ambiente é cercado de malacos e violência. Esperto prá vida a base de bomba de cal.
Neste local bruto picho concreto, não velhas araucárias. Primeiro o tubão, depois o pinhão.
O skate nem anda em estradas de terra. Mesmo assim, sempre prossegui sem pensar nas conseqüências.
O vanerão no máximo volume estremecia as paredes do Clube Operário. A dança colada se trata dos últimos resquícios de uma velha época onde o amor ainda era nobre e puro. Acreditar nisto faz parte dos freqüentadores do local. Estes tradicionalistas procuram um par para casar. Só quero esquematizar. Sair da maré brava de secura.
Entrei no breu da pista, deslizando os pés no assoalho de madeira e encontrei a menina das colônias. Dois prá lá, dois prá cá. Não a arrastei para dançar xote, como manda o figurino. Levei-a até o bar e investi num dulangue cabuloso.
Nossos mundos tão diferentes e tão fascinantes. A transgressão se faz novidade para ambos. Fechou o caroço. A polaca de rosto reluzente aceita sair fora e dar umas bandas pelo centro. Ficamos pelas escadarias da Praça Matriz. Nem beatos e nem noiados conseguiram tirar essa brisa.
O marasmo dos próximos dias se torna instigante e crucial para tomar uma atitude. Com coragem, emprestei motocicleta e trilhei a rota para Rio Verde Abaixo. Arrisquei-me a passar em frente ao posto dos guardas andando sem documentos, sem carteira, sem retrovisor, sem segurança alguma.
O amor mata a distância! - eu dizia.
Quebrou aquela baixêra barulhenta e fiquei perdido no meio do nada. Joguei a moto atrás de um matagal e caminhei muitos quilômetros até encontrar um telefone para pedir socorro. Por sorte, o dono do bareco não me cobrou a ligação e até me levou até a chácara da mocinha. Pensou que eu fosse da família.
Fiquei feliz em vê-la, apesar de tudo. Estava convicto de que enfrentar a dificuldade fortaleceria nossa relação.
A parentada, chegada numa prosa em volta do churrasco, ficou contando causos até bem tarde. Simpatizaram comigo e nos deixaram posar junto. Gente finíssima. Fichei certo numa família liberal.
Na confiança, deixei um dinheiro para comprar uma colchão melhor, pois naquele era impraticável dormir. Senti o desenho das tábuas em minhas costas. Nem sabia como ela suportava.
Voltei no outro fim de semana e encontrei o quarto do mesmo jeito. Ela disse que foi mordida por uma aranha marrom. Rapelou o dinheiro numa viagem de taxi para capital. Era caso de vida ou morte, mas reparei o cabelo cheirando a tinta fresca e roupas novas.
E a ambulância? Muito esquisito!
Desembolsei uma grana novamente, pois o mato não favorecia. Tatu, formiga, besouro raposa e preá sempre estavam a atrapalhar. Cadê o sossego na fazenda?
Esperei em vão uma cama macia. Dessa vez, disse que estavam passando uma situação de aperto e precisou de dinheiro para comprar comida para os seus.
Ué, e o porco que estavam pelando? E a horta forrada de verde? E a plantação de milho?
Fiquei na minha, fingindo que compreendia.
Na mesa do jantar, o assunto era um terreno por perto onde descobriram jazidas de ouro. Estavam juntando dinheiro para comprá-lo. Levaram um vizinho para mostrar no dia anterior. Rejeitei a oferta de sociedade. Planos muito altos para mim.
Pedrinha falsa passando de mão em mão brilhava em amarelo.
Achei obvio de que deveria haver alguma lata de spray com tinta dourada escondida pela casa.
Outro chapéu? É grupo! Chega de se engrupir.
Vazei dali para sempre. Não fui mais atrás e ela também desapareceu. Provei o seu desinteresse.
Amor de verão não sobe até a Costeira.
Continuei com o olhar clínico para as pérvas vileiras. Nem tão especiais. Só esquema para me manter longe de Rio Verde Abaixo. No fim, esqueci totalmente.
Escutem o que eu digo.
A distância mata o amor!

sexta-feira, 20 de março de 2015

Breguenaiti


Escritor sóbrio não tem muito futuro, por isso que ninguém ouve falar de mim.
Não sou de beber. Bebo pouco. Depois que me limpei, bebo a cada década ou mais. Apenas na companhia de meus supostos melhores amigos. E este tempo faz da ocasião social algo não tão pecaminoso. Como um cristão bebendo vinho.
Só bebo com os caras certos. Onde cada gole é uma aventura. Pedir, pedir, pedir e não ter como pagar. Cada um diz que precisar ir até o banco, ir até a casa do irmão pegar o dinheiro, esqueceu a carteira. Todos na mesa, na mesma: quebrados. Então, vem aquela competição para ver qual a história mais triste. Ninguém quer ficar sobrando e ter arcar com toda a conta. Usa-se então a criatividade.
Lembro de clássicos calotes no Bakanas, Gauchita, Emídio, Bola Oito e na Oca. Fugas sincronizadas pulando a mureta, saindo pela esquerda, corta-luz pelo banheiro, distração no garçom...
Fazendo-se de louco no Bar Sombreiro. Liso igual bagre.
Forjando um blecaute com alguns fios soltos no Bar dos Deda.
Na Valu do Maranhão, todos somem, depois do premeditado e ensaiado quebra-pau. Combina com samba.
Quem fingir coma alcoólico por último tem de se coçar com os dinares. É bom que os camaradas sabem direcionar. Te deixam na porta de casa e deixam bilhete avisando que deve-se chamar o médico.
Logo, não bebo com quem tenho um contato superficial. Sempre levo prejuízo.
O lema da alta camaradagem é "vai junto, volta junto", mas desconhecidos não levam isto em consideração.
Voltar a pé do Rio Abaixinho não é mole. Pior fica com chuva no lombo e as carretas passando a milhão tirando fina, enquanto caminho triste pelo acostamento. Memorável arrependimento de quem se deixou levar por Amarula com pessoal do trabalho.
Ou então, descobrir que pagam as três primeiras rodadas, com festinha particular erótica na casa do dono do Bar Bukowski. Só marmanjo. Pulei fora! Infelizmente, desembolsei o dinheiro e sai vazado antes deste tal fecha-noite. Outra barca furada de quem se mete com semi-estranhos.
Já os meus tru, periféricos, quando passam do limite, se disfarçam de heróis e adquirem um estranho senso de justiça. Maguinho bateu num poliça que o incomodou com uma geral. Kano tretou com b-boy ant-boy no meio da roda dos toys. Eu peitei o segurança do Flash, que queria confiscar minha corrente. Pumuki esmurrou paredes para treinar antes de desafiar uma renca. Ângelo vê fantasmas pelas ruas rondando sua lata de cerveja, além de bater num cara que lhe disse oi. Lá no fundo, do underground, do subsolo, do interior da psique humana, tem sentido.
E na ressaca descobrimos diversas façanhas, inclusive que todos brigamos entre si. Fato esquecido, morto e resolvido. Nunca resta picuinha.
No final, aconselho a sobriedade. Beber nem é tão importante. Intéra para beber uma porcaria de caipira não compensa e a cerveja também pode estar muito amarga. O que conta é a confiança em torno de uma boa risada.

sábado, 14 de março de 2015

Limbo


Há um plano material á margem de nossa realidade onde não se enxerga o horizonte. Neste lugar não existe chuva ou sol, o único momento é o agora, e isso se estende pelo infinito.
Uma névoa cerca os corpos em movimentos inconscientes nas idas e vindas com uma tábua debaixo de seus pés. O ambiente é convidativo, parecido com o que se imagina como céu. Paz e êxtase ludibriam e embriagam aos que descem as rampas do Limbo do Tayrá.
Os paredões de cimento anulam a gravidade das coisas.
Respirar, subir e descer, tentar uma manobra, respirar. É peristáltico.
Um ano no limiar equivale a dez anos lá fora e você não sabe quanto tempo se passou. Não se importa. Apenas diz para si mesmo: Eu estou bem.
De baixo para cima, flutua pelo double face.
A vida se esvai e volta no quinhentos e quarenta.
De slides em deslizes. Andar a pé, sem embalo, dá enjôo.
A cada verão pessoas fascinantes de terras exóticas vem visitar esta zona fantasma. Houve meninas de um tal Palomar, uns piás de uma tal Vila Nova, Pequim, Shangai, diversos Shangri-lás. Gente com tempo para admirar, aprender a andar em cima da tábua e fazer amizade.
Ninguém dura mais que uma estação. Ao fim das férias escolares, retrocedem ás aulas.
Um dia aparece uma carta anônima. A admiradora secreta idealiza-o como herói. Cada salto um golpe na sociedade. Bravura em cada varial, em cada kickflip. Acertou um impossible, conquistou alguém.
Qualquer um acostumado com olhares reprovadores de transeuntes ficaria lisonjeado.
Ela se aproxima aos poucos, faz seus joguinhos românticos. A própria mensageira revela-se como fã.
Chama para perto - apenas conversar sentados na savana parece algo inocente.
As mãos se encontram. Ela arruma os cabelos, mostra o seu charme. Pergunta sobre o amor.
Você a beija. Tem de fazer, pois com aquele brilho nos olhos, a ocasião é única.
E logo interrompe o momento. Tem de repelir, não pode permitir que o contato se prolongue. Empurra a garota.
Expulso do paraíso. A realidade o golpeia. Cai de mau jeito.
Algo deu errado: Está com trinta e poucos anos e percebe que acaba de beijar alguém com menos da metade
de sua idade. Poderia ser sua filha. Pensando melhor, é a filha de alguém.
Ela não entende e sobe a Archelau chorando. As amigas imaginam o pior e correm acudi-la.
Quem vai entender se o vagabundo molestou a menina?
Não sabe o que está fazendo. O encantamento se desfaz. Toma conta do prejuízo. Distingue para que lado fica sua casa e caminha outra vez.
De volta a nosso mundo, imprime vinte folhas de um currículo mirrado, coloca na pasta debaixo do braço e prossegue em passo firme e cara amarrada. Mais um vilão rondando as ruas de Araucária.
...

Enquanto isso no centro da cidade:
- Seu prefeito, viemos protestar! Queremos mais limbos!

domingo, 1 de março de 2015

Quem ama não desintegra

Em fevereiro de 2015, a rede integrada de transporte chegou ao fim. O futuro apocalíptico tecnocrático chegou.
Milhares de araucarienses fizeram protesto contra o custo da viagem até a capital que dobrou. E além disto muitas linhas de ônibus foram desativadas.
Para o diretor-presidente do órgão Comec (Coordenação da Região Metropolitana), um dos supostos autores desta tragédia, as mudanças tem um lado positivo.
“O transporte municipal deve ser fortalecido para incentivar o uso e as atividades no próprio município, mas será mantida a integração com a rede metropolitana através das linhas metropolitanas” - foram suas palavras.
Uma baita traição para com os usuários de fora da capital que igualmente fazem girar a economia.
Quem ama, não trai.
Não é novidade de que estes donos do poder apenas querem obter lucro. E o seu sistema não é para o bem do povo. É uma engrenagem da máquina capitalista que usou o passageiro.
Ops! Foi apenas uma má gestão que deflagrou esta crise atual. Existe um furo enorme no orçamento por causa dos subsídios dados para equalizar os custos da integração. Preferiram sacrificar a minoria batateira do que subir a passagem de toda região metropolitana para sanar a dívida.
Quem ama, cuida.
Alguns araucarienses foram impetuosos e furaram as catracas na manhã. No dia seguinte, tropas policiais fazem sentinela pelo terminal de ônibus para aplicar uma abordagem educativa nos supostos baderneiros da madruga.
Quem ama não bate.
O cálculo técnico é pura divisão.
Quem ama não desintegra.
...
Entendo que nos foi imposta uma mensagem frenética: Fechem as fronteiras. Encerrem os polacos no gueto araucariense.
Incentivar as atividades locais uma ova!
Está definido: Araucária para os araucarienses.
Agora vocês vão ver o que é ser fechado! O azar será o de vocês da cidade grande.
Na Região Metropolitana é como tem de ser, em Araucária é como se quer.
Vamos nos virar com o que é nosso. Viveremos de batata, pêssego e ovo. Pierogui não pode faltar. Aliás quanto a isso, não teremos com o que nos preocupar. Nossa região rural é vasta, imensa e daria conta de nosso sustento.
Mas eles também, que criem sua própria refinaria e que consigam gás de cozinha em outras bandas. Aqui não, seus janotas!
Sigamos para o lado positivo: Temos nossa própria TV, nossa rádio e nossas atrações. Balé no Teatro da Praça, bandas de rock a dar com o pé. Sertanejos também. Ouvi dizer que os Montanari são daqui.
Lotaremos o campo do Costeira, o campo do Grêmio. Rally nas colônias e MMA no Joval. Não vai haver falta do que fazer, meus caros.
Turismo rural é o bastante, e o Passaúna é nossa praia.
Terminaremos o shopping do Cavalo Baio mais rápido que o metrô de Curitiba.
Com coragem e força, enfrentaremos a adversidades, venceremos e aprenderemos com isso.
No final veremos emergir uma floresta das araucárias toda repovoada e estaremos todos falando polonês.
Pode demorar, eu sei, mas Cracóvia não foi construída num instante.
Nem que eles devolvam nossas casas que estão no Bosque do Papa, voltaremos atrás.
Há um ditado polonês que diz: "Quando não há nenhum vento, reme".
Rumo ao Rio Chimbituva, a desintegração era o remo que nos faltava.
...
Do widzenia, Kurytyba !

domingo, 15 de fevereiro de 2015

O rolista


Atormentado pela mãe, acompanhou-a até o bingo da paróquia. Festa animada, todo o povo da vila se divertindo. Peixe fora do aquário que é, sentiu-se incomodado com a animação das mesas vizinhas. Comprou um bilhete para não ficar de fora. Tirou a sorte grande. De posse da cartela premiada, descobre-se ganhador de um sensacional carro zero quilometro. Zerinho, zero bala - anuncia o narrador.
O padre, o prefeito, vereadores, moças modelos e empresários vem cumprimentá-lo, acenar, tirar fotos para o jornal. O princípio de sua derrocada moral.
O veículo tem seu bônus: uma nova rotina, um novo pique, um motivo para viver. Folia adoidada é feijão-com-arroz. Festança prá cá, manguaça para lá, sem parar...
Companheiros fiéis surgem do nada, brotam do chão. Amigos do peito de ultima hora rodeiam sua mesa. Interesseiros disfarçados pagam todas a troco de uma carona para o centro. Sua presença agora é constante na frente do Bakana's. Apenas para constar - cuidando do movimento.
Invejoso que é, emprestou a barca do camarada para dar uma volta e sentir o motor. No minuto de bobeira, o infeliz bate o carro. Nada de grave, foi de leve, mas sem emprego e sem meios de pagar o prejuízo, obriga-se a trocar seu possante pelo carro que ele amassou.
Os camaradas atiçam o descontrole e num destes barulhos do meio da semana foi parar numa zona, ali pelos lados da Estação.
Faixas do Tavares, anunciam com sugestivo nome, a Festa do Escova-dentes. As primas com suas micro saias embelezam as famosas escadarias e atendem os rapazes com malicioso sorriso no rosto. Bem poucas atrizes tem esse dom para manipular pessoas. Um cerveja para iniciar a conversa, mais uma para a aproximação. Sugerindo os mais caros drinques para levantar o ânimo, roçam seus corpos como parte do banquete.
Outro bando, aparentemente do dinheiro, chega apavorando com carrão melhor e uma das moçoilas faz a sala. Para depois ir pro quarto.
Seu atos falam mais alto que o pensamento. Para que perder tempo com perdedores que planejam interas para uma caipirinha? Quem tem, não hesita em mandar descer um balde de biritas.
Achou um absurdo que uma delas foi dar atenção pra outro.
Eis o estado lamentável em que o ser humano chega: Ciúme até de puta!
Dois toques para arranjar briga. Deu meio-dia. Cadeiras voam, garrafas se quebram, copos estilhaçam e os pipocos comem soltos. Pancadaria da grossa. Nessas horas, leões de chácara são sempre do contra.
Meia dúzia de tiros na lataria para complicar ainda mais. Na fuga, a policia ainda o enquadra por direção perigosa. Geral, esporro, multa, quase apreensão.
Dali para frente, de rolo em rolo, perdas em perdas, em suas mãos sobrou apenas a carcaça de um velho fusca. Sem motor e a esperança de concertá-lo..
As crianças surrupiam a tranqueira para descer as ladeiras do Beira Rio. Como um rolimã coletivo.
Empurram para baixo e para cima o pedaço de metal, apelidado carinhosamente de Boizé. Picharam o fuque na primeira oportunidade. Infância feliz para estes.
Depois de tanto engano, a lata velha vale um par de cavalos. Consegue um emprego de chacareiro nas colônias e muda-se da vila. Diante das circunstâncias, com os dois potros sem pasto, foi um bom negócio.
Os bons ventos que anunciam o fim da crise voltam como redemoinho.
Depois de um breve sumiço, é visto de novo pela cidade. Todo zoado, sujo e maltrapilho. Volta empurrando uma bicicleta barra forte, com mega-fone na mão e alto falante na garupa.
Boatos correm de que ele prega em movimento. Nunca foi disso, nada de santo. Mais fácil dizer insanidades do que ladainhas.
- Por que homenagens ao soldado desconhecido? Ninguém vê tudo o que passei? - A inveja alcança o patamar da esquizofrenia.
- Sou o leão em cima de um pinhão!
Sorte de que a ladeira é íngreme e ele aproveita o embalo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Criancices


Amanda

- Pai, aqui é fábrica do quê?
- De lápis, filha.
- E esta aqui do que é?
- Não sei, filha.
- Ah! Já sei. Aqui que fazem as nuvens.


Henrique

- Pai, aqui é fábrica de quê?
- Aqui fazem petróleo, filho.
- Ah! Eu vi na escola. A professora ensinou. Então tem osso de dinossauro enterrado aqui debaixo?
- É. Acho que tem.


Patrique

- Pai, aqui é fábrica do quê?
- De gás, filho.
- E esta fábrica do que é?
- De papel.
- Ixi! Que papel fedido!


Nelci

- Pai, o que é aqui?
- Uma granja, filha.
- Mas o que eles fazem?
- Ah! Ovo!


Luiza

- Pai, aqui é fábrica de quê?
- De frango, filha.
- Mas como é que eles fabricam?

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Ando por uma Araucária

Ando por uma Araucária bem mais tímida, caminho por veredas escondidas. Sempre moça, linda irmã mais nova, bicho do mato, inocente vizinha pobre e coitadinha. Torce-se o nariz e ninguém amaina o olhar de canto.
Araucária do manso e poluído Iguaçu, onde o pingo de chuva é o purgatório do cárcere. Seus tons de cinza competem, entre céu e água.
Dos colonos, de tradição, de mundos tão próximos e tão distantes. Essa sempre nova cidade-dormitório deveria conhecer a colônia. Onde não se dorme, onde o verdadeiro suor é derramado no arado. Sob o sol á pique o afinco indestrutível dos polacos.
Um tobata, uns terneiros, uns alqueires e uns litros de bracatinga para se viver. Dá para ir até a praia, e eles ainda não chegaram no Ponzal. Duas horas de viagem em estrada de chão. Se perder o ônibus, só Deus sabe.
Araucária das escadarias do Tropical. Apesar da simpatia o chão está sujo de sangue... Que lombras!
Perco-me pelos becos do Maranhão, da empoeirada rotatória. Quando o gari sair de férias e parar de tirar areia, se preparem para a duna. A criançada esperta anda treinando bundacross nas obras do futuro Uirapuru.
No beco oferecem-me uma coisa. Uma coisa, não sei o que é. Nunca parei para saber e atento às tradições, não converso com estranhos. A gente finge que não conhece todos os vizinhos.
Na curva do São Sebastião, o bangalô assume ares fantasmagóricos.
Cidade da festa anual obrigatória no parque. Únicos shows de nossas vidas. Como é possível ter gente de fora vindo prá cá? A gente nunca sairia daqui. Imagine se largar para um lugar desconhecido!
Ando, caminho mais e não descubro as plantações secretas de pêssego.
Araucária do Bar Ki-samba. Onde os tiozinhos, na vanêra, caçam amor e falta de compromisso em meio a cubas e stanheger. O garanhão da madrugada percorre o salão com uma morena, saracoteando e feliz. Orfãos do Colúmbia, orfãos do Operário, orfãos do União.
Quando acaba a madrugada a piazada sai do baile aos uivos, aos urros, aos gritos, acordando a vila inteira. Arruaça na madrugada não é raiva. Saibamos compreender a imaturidade juvenil.
Cidade da Feira do Peixe Vivo. Quem mata o coitado do bichinho? Deveriam vender aquários, ao invés de lucrar com a sua morte.
Da pista de skate abandonada, foste alegria na geada e em solitárias viradas de ano. Os skatistas nas ruas de terra e sem a tabuinha para brincar.
Do Chimbituva. No alto, o mirante com vista para lugar algum... Os morangos do japonês!
Cidade assassina de rios, por ali outro sumidouro de leitos. A paisagem feita pintura, só na Cachimba ao longe.
O bom povo crente, que sempre inspirou simplicidade. Graças a Deus, a salvação! Temos mais igrejas do que bares pelas ruas do Tindiquera. Igrejas que, no crepúsculo, rasgam o silêncio, clamando na amargura e expulsando demônios ao microfone ecoante.
Ando na Araucária das briguinhas entre Werka e Szymanski. “Ouvi um boato que tá vindo toda a turma de lá”. Como se fosse possível todo um colégio se unir. “Vai ter briga na saída!”. Incrível, certos momentos em que nenhum adulto aparece e as meninas se arranham, perdem as roupas e cabelos rolando no asfalto. Eis o chão dos briosos tingüís.
Minha melhor Araucária está no Seu Jaime, na casa da virgem que desmaia, na antiga casa da babá pigmeu, Osmarinho, Zé Macaco, o velho barreiro, o cobrador. Todos aqueles bons rostos conhecidos. O Pivete no muro que a tudo vê. A fazenda da Polaca. No campo do Bastião, tomo posse da bola, mas me canso até o gol.
Todos nascem como mito do batateiro da caroça de repolho!
Na descida e na subida do Szymanski.
O onipresente pinheiro não nos deixa esquecer os resquícios de nossas raízes.
Tindiquera, donzela de frescor juvenil brinca com petróleo a teus pés.
Araucária, terra de desconhecidos. A mão na boca escondendo os dentes, a simplicidade sem orgulho.
Ladeia a linda Cidade Sorriso, uma cidade feita de luz. Sou daqueles que gostam de penumbra. É um diamante bruto, e nos teus humildes encantos andei e não me esqueço!

(extraído do E-book Crônicas Araucarienses)

Araucariês


Araucasas
Araucarro
Araupel
Araugraf
Araularm
Arautech
Araupol
Araupan
Araucar
Arauflex
Araumáquinas
Araucalhas
Araufisio
Arauprint
Araucrew
Araucon
Araufoto
Arauóleo
Arauboy
Araufarma
Araucenter
Araufest
Araugames
Arauseg
Araucontro
Araugás
Araumóveis
Araufer
Arauset
Araucell
Araupet
Araucária
Graciosa


(retirado do E-book Crônicas Araucarienses)

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Peleia


Pocoloco, Magnólia, Miojo, Seu Araré, Polaco, Mumú, Seu João, Éto, Nil, Pelô e várias candangas.
Pronta a tertúlia na casa do Seu Mário.
Churrasco fogo de chão comendo solto desde manhã. Carne á vontade, nem os guapécas latiam para reclamar.
Música gauchesca e uma quantidade infinita de cerveja. Justamente o que precisa para a velharada estar saracoteando semi-consciente de um lado para o outro.
Sinuca e truco para animar. A festa mais bagual que já fui.
Enquanto os xirús debatiam sobre vaneiras e milongas, descolei uma rede na varanda para ficar abraçadinho com ela. Mostrou-me seu dom para preparar caipirinhas mas preferia limão com sal. Destreza na faca, enchia o prato de rodelas para saborear. Gostei da peculiaridade.
O sogro gente fina, além do permisso para filha, vem oferecer cerveja trincando. Não deu certo. Misturei vinho, caipira, batida e béra. Logo o revertério. Passei mal mas até para isso a namorada prestava. Tratou-me a pão-de-ló. Colocou-me no colo, acudiu com toalha e limpou o chão sujo.
No meio do bate-coxa, uma piazada medonha entrou de fina pelo terreno. Seu Araré, até veio perguntar se eu conhecia os carçudos. Disse que não.
Quando o primeiro intruso foi escorraçado, tijolos e mais tijolos voaram para cima da casa como represália. Os penetras tinham mais uns parceiros na rua e tentaram invadir de vez.
Sentaram o braço nos malandros. O sogro faceiro pegou a garrucha e distribuiu tiro para todos os lados. Fez um baita estrago. Se animou um tanto ao esquadrinhar a vila a procura dos maloqueiros. Levou uma invertida. Voltou correndo, fugindo de uma catrefa muito maior.
Quando o bicho pegou, pulei o muro. Levei cerca de arame no peito, cruzei o matagal e sumi de vez. Mochila, umas roupas e o skate ficaram para trás. Nada me incomodou mais do que ter deixado ela.
Fui imaturo, fui covarde, mas naquele momento apenas segui o protocolo. Agi com o mais profundo racionalismo. Procurei um orelhão e chamei a policia para acabar com o entrevero e manter a ordem.
Acompanhei todo o aglomero, escondido, seguro a duas quadras de distância, prá baixo do Giona.
Em pouco tempo, os homens da lei chegaram e levaram todos presos. Inclusive ela, com uma faca de cozinha no bolso. O griteiro não a impediu de ir para o xilindró.
Fui embora com a culpa de insuflar os carrascos. Atrapalhei mais do que ajudei.
Circunstâncias de belas curvas me induziram a freqüentar outros ares nas semanas seguintes.
Não sabia qual a reação dela diante do meu sumiço, o meu impulso era de auto-punição. Seria mais adequado manter distância, pois não a merecia. O delator evita juras apaixonadas .
Eu tinha de dar satisfação para a guria, então apareci pelo Planalto, na manhã de sábado de Aleluia.
Sua mãe vem me atender com feição triste. Provavelmente forçada a mentir. Diz que a flor de morena não está em casa.
Ressabiado com todas as minhas traições, com possíveis beijos levianos de minha parte, demorei a entender o recado.
Em frente a casa, seus irmãos malham um Judas. O boneco tem minhas roupas e um pequeno cartaz abaixo do peito, onde aparece a palavra "covarde". Reconheço a caligrafia redondinha de uma velha carta de amor.
O menino me alerta com porrete em mãos:
- Ô vivente. A boca não é boa.
Perdi a peleia.
Volto de mãos abanando. A Manoel Ribas é pequena demais para me lembrar de algum vanerão contando derrota.