quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Breguedesse

O ônibus virou em lugar inesperado. Não existe mais rota de ônibus confiável por aqui. Além da constatação de estar perdido, aproveito uma ínfima parcela de felicidade a respeito desta mudança. São os novos horizontes chegando a uma cidade parada no tempo.
Por isso dou tanto tempo de Arauca. Preciso ficar distante para que as coisas aconteçam.
A cada remota visita, inúmeras novidades.
Thuck terminou seu relacionamento. Que coragem!
Paulo após muitos anos, mudou-se para uma nova casa - Ainda não sei onde é. Será que ainda nos veremos?
Regi tão atlético, ficou doente.
Barba ficou careca. E seu piá está tão grande! Maior que ele!
Seu Lucindo morreu de velhice. Não com uma bala de prata, como prevíamos.
Osmar virou crente, e seu outro irmão desvirou.
O grande frigorífico fechou. Surge rua no matagal, prédio no terreno baldio. Praça Matriz reformada. Apagaram as minhas pichações. Sobrou a memória.
Em Araucária, dizem que voltei curitibanizado. Não sei porque.
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As torres da Refinaria são mais vibrantes do que um monte de prédios enfileirados e previsíveis.
As labaredas gigantescas iluminam o céu. Impressionam mais que arco-íris, pé-de-vento, granizo, ondas no mar...
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Em Curitiba, mesmice. Troquei o ralo do banheiro, a cafeteira enguiçou, contas á pagar.
Um longo caminho de volta.
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Até outro dia, Archelau.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Peregrino


- Você sabe. A Cidade Sorriso tem horrores que não passam na televisão. Eles maquiam tudo. Ninguém mostra a pobreza, os crimes, a selvageria da periferia. Não tem nada de ecológico ou planejado. O que me diz?
Ei! De onde você vem?

- Araucária. É como ela é. Á esquerda, os batateiros arrancam batata. Á direita, a Refinaria queima. Seus peões angustiados vagueiam pelas ruas com saudade de casa. E no meio de tudo isso, vive um monte de gente confusa, tentando encontrar sua identidade. É o ponto zero de onde todos iniciam sua jornada existencial. Cada um se vira como pode na peregrinação pelo Caminho de Tindiquera. Sem ilusões. Os pés trilham em direção ao fim do atraso.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Cuéra


Quem mandou casar com mulher bonita?
Amargou a frase de sua mãe. Esgotou as tentativas de reconstrução dos fatos. O que poderia ter feito para evitar o fim? Por que ela não resistiu aos assédios? Por que sua vida ruiu num relance?
A clausura na casa dos pais. Geada dentro e fora. As férias passam pela fresta na parede.
Toda fossa compreendida e não poupada.
Abstraiu de vez, quando o pai sugeriu casar de novo. Reboliço nunca mais.
Levantou da cama e tratou de comprar uma bicicleta.Saiu empinando.
Livrou-se do carro empoeirado, na casa vazia que ela deixou.
A raia pelos céus da Costeira. Devastou algumas paineiras.
Arapuca para passarinho. Setra de sorinho. Matou três na pedrada.
No bar, gasosa e um doce de amendoim. Nem pede cangibrina.
As falhas pelo carreiro. Fogueira para assar um tanto de pinhão.
A cava não dá pé. Atravessa á nado. Muitos lambaris. Sorte de principiante.
Foi visto na esquina com a molecada. Baixinho, fracote, sem porte, sardas no rosto. Misturou-se facilmente entre os pequenos.
Os pés pretos de sujeira e o terreiro cheio de buracos de bulico. Na caspelinha rapelou as bolinhas de gude de todos.
No campinho de futebol arranjou confusão. Queria entrar no torneio dente-de-leite.
Não tem o que falar sobre a formosura das meninas da vila descendo a ladeira. Cansou do amor, prefere trepar em árvores, catar jabuticabas, amorinhas, o que for.
Seu amigo imaginário, o aconselhou: Não se apegue a ninguém.
Segue da magrela, prá baixo e prá cima. Passou açúcar nos aros, para aumentar o barulho da freada.
O que é de gosto, é de regalo da vida - diz ele.
O olhar da vizinhança não erra. Cuéra neste ofício. João voltou a ser piá.