sexta-feira, 20 de março de 2015

Breguenaiti


Escritor sóbrio não tem muito futuro, por isso que ninguém ouve falar de mim.
Não sou de beber. Bebo pouco. Depois que me limpei, bebo a cada década ou mais. Apenas na companhia de meus supostos melhores amigos. E este tempo faz da ocasião social algo não tão pecaminoso. Como um cristão bebendo vinho.
Só bebo com os caras certos. Onde cada gole é uma aventura. Pedir, pedir, pedir e não ter como pagar. Cada um diz que precisar ir até o banco, ir até a casa do irmão pegar o dinheiro, esqueceu a carteira. Todos na mesa, na mesma: quebrados. Então, vem aquela competição para ver qual a história mais triste. Ninguém quer ficar sobrando e ter arcar com toda a conta. Usa-se então a criatividade.
Lembro de clássicos calotes no Bakanas, Gauchita, Emídio, Bola Oito e na Oca. Fugas sincronizadas pulando a mureta, saindo pela esquerda, corta-luz pelo banheiro, distração no garçom...
Fazendo-se de louco no Bar Sombreiro. Liso igual bagre.
Forjando um blecaute com alguns fios soltos no Bar dos Deda.
Na Valu do Maranhão, todos somem, depois do premeditado e ensaiado quebra-pau. Combina com samba.
Quem fingir coma alcoólico por último tem de se coçar com os dinares. É bom que os camaradas sabem direcionar. Te deixam na porta de casa e deixam bilhete avisando que deve-se chamar o médico.
Logo, não bebo com quem tenho um contato superficial. Sempre levo prejuízo.
O lema da alta camaradagem é "vai junto, volta junto", mas desconhecidos não levam isto em consideração.
Voltar a pé do Rio Abaixinho não é mole. Pior fica com chuva no lombo e as carretas passando a milhão tirando fina, enquanto caminho triste pelo acostamento. Memorável arrependimento de quem se deixou levar por Amarula com pessoal do trabalho.
Ou então, descobrir que pagam as três primeiras rodadas, com festinha particular erótica na casa do dono do Bar Bukowski. Só marmanjo. Pulei fora! Infelizmente, desembolsei o dinheiro e sai vazado antes deste tal fecha-noite. Outra barca furada de quem se mete com semi-estranhos.
Já os meus tru, periféricos, quando passam do limite, se disfarçam de heróis e adquirem um estranho senso de justiça. Maguinho bateu num poliça que o incomodou com uma geral. Kano tretou com b-boy ant-boy no meio da roda dos toys. Eu peitei o segurança do Flash, que queria confiscar minha corrente. Pumuki esmurrou paredes para treinar antes de desafiar uma renca. Ângelo vê fantasmas pelas ruas rondando sua lata de cerveja, além de bater num cara que lhe disse oi. Lá no fundo, do underground, do subsolo, do interior da psique humana, tem sentido.
E na ressaca descobrimos diversas façanhas, inclusive que todos brigamos entre si. Fato esquecido, morto e resolvido. Nunca resta picuinha.
No final, aconselho a sobriedade. Beber nem é tão importante. Intéra para beber uma porcaria de caipira não compensa e a cerveja também pode estar muito amarga. O que conta é a confiança em torno de uma boa risada.

sábado, 14 de março de 2015

Limbo


Há um plano material á margem de nossa realidade onde não se enxerga o horizonte. Neste lugar não existe chuva ou sol, o único momento é o agora, e isso se estende pelo infinito.
Uma névoa cerca os corpos em movimentos inconscientes nas idas e vindas com uma tábua debaixo de seus pés. O ambiente é convidativo, parecido com o que se imagina como céu. Paz e êxtase ludibriam e embriagam aos que descem as rampas do Limbo do Tayrá.
Os paredões de cimento anulam a gravidade das coisas.
Respirar, subir e descer, tentar uma manobra, respirar. É peristáltico.
Um ano no limiar equivale a dez anos lá fora e você não sabe quanto tempo se passou. Não se importa. Apenas diz para si mesmo: Eu estou bem.
De baixo para cima, flutua pelo double face.
A vida se esvai e volta no quinhentos e quarenta.
De slides em deslizes. Andar a pé, sem embalo, dá enjôo.
A cada verão pessoas fascinantes de terras exóticas vem visitar esta zona fantasma. Houve meninas de um tal Palomar, uns piás de uma tal Vila Nova, Pequim, Shangai, diversos Shangri-lás. Gente com tempo para admirar, aprender a andar em cima da tábua e fazer amizade.
Ninguém dura mais que uma estação. Ao fim das férias escolares, retrocedem ás aulas.
Um dia aparece uma carta anônima. A admiradora secreta idealiza-o como herói. Cada salto um golpe na sociedade. Bravura em cada varial, em cada kickflip. Acertou um impossible, conquistou alguém.
Qualquer um acostumado com olhares reprovadores de transeuntes ficaria lisonjeado.
Ela se aproxima aos poucos, faz seus joguinhos românticos. A própria mensageira revela-se como fã.
Chama para perto - apenas conversar sentados na savana parece algo inocente.
As mãos se encontram. Ela arruma os cabelos, mostra o seu charme. Pergunta sobre o amor.
Você a beija. Tem de fazer, pois com aquele brilho nos olhos, a ocasião é única.
E logo interrompe o momento. Tem de repelir, não pode permitir que o contato se prolongue. Empurra a garota.
Expulso do paraíso. A realidade o golpeia. Cai de mau jeito.
Algo deu errado: Está com trinta e poucos anos e percebe que acaba de beijar alguém com menos da metade
de sua idade. Poderia ser sua filha. Pensando melhor, é a filha de alguém.
Ela não entende e sobe a Archelau chorando. As amigas imaginam o pior e correm acudi-la.
Quem vai entender se o vagabundo molestou a menina?
Não sabe o que está fazendo. O encantamento se desfaz. Toma conta do prejuízo. Distingue para que lado fica sua casa e caminha outra vez.
De volta a nosso mundo, imprime vinte folhas de um currículo mirrado, coloca na pasta debaixo do braço e prossegue em passo firme e cara amarrada. Mais um vilão rondando as ruas de Araucária.
...

Enquanto isso no centro da cidade:
- Seu prefeito, viemos protestar! Queremos mais limbos!

domingo, 1 de março de 2015

Quem ama não desintegra

Em fevereiro de 2015, a rede integrada de transporte chegou ao fim. O futuro apocalíptico tecnocrático chegou.
Milhares de araucarienses fizeram protesto contra o custo da viagem até a capital que dobrou. E além disto muitas linhas de ônibus foram desativadas.
Para o diretor-presidente do órgão Comec (Coordenação da Região Metropolitana), um dos supostos autores desta tragédia, as mudanças tem um lado positivo.
“O transporte municipal deve ser fortalecido para incentivar o uso e as atividades no próprio município, mas será mantida a integração com a rede metropolitana através das linhas metropolitanas” - foram suas palavras.
Uma baita traição para com os usuários de fora da capital que igualmente fazem girar a economia.
Quem ama, não trai.
Não é novidade de que estes donos do poder apenas querem obter lucro. E o seu sistema não é para o bem do povo. É uma engrenagem da máquina capitalista que usou o passageiro.
Ops! Foi apenas uma má gestão que deflagrou esta crise atual. Existe um furo enorme no orçamento por causa dos subsídios dados para equalizar os custos da integração. Preferiram sacrificar a minoria batateira do que subir a passagem de toda região metropolitana para sanar a dívida.
Quem ama, cuida.
Alguns araucarienses foram impetuosos e furaram as catracas na manhã. No dia seguinte, tropas policiais fazem sentinela pelo terminal de ônibus para aplicar uma abordagem educativa nos supostos baderneiros da madruga.
Quem ama não bate.
O cálculo técnico é pura divisão.
Quem ama não desintegra.
...
Entendo que nos foi imposta uma mensagem frenética: Fechem as fronteiras. Encerrem os polacos no gueto araucariense.
Incentivar as atividades locais uma ova!
Está definido: Araucária para os araucarienses.
Agora vocês vão ver o que é ser fechado! O azar será o de vocês da cidade grande.
Na Região Metropolitana é como tem de ser, em Araucária é como se quer.
Vamos nos virar com o que é nosso. Viveremos de batata, pêssego e ovo. Pierogui não pode faltar. Aliás quanto a isso, não teremos com o que nos preocupar. Nossa região rural é vasta, imensa e daria conta de nosso sustento.
Mas eles também, que criem sua própria refinaria e que consigam gás de cozinha em outras bandas. Aqui não, seus janotas!
Sigamos para o lado positivo: Temos nossa própria TV, nossa rádio e nossas atrações. Balé no Teatro da Praça, bandas de rock a dar com o pé. Sertanejos também. Ouvi dizer que os Montanari são daqui.
Lotaremos o campo do Costeira, o campo do Grêmio. Rally nas colônias e MMA no Joval. Não vai haver falta do que fazer, meus caros.
Turismo rural é o bastante, e o Passaúna é nossa praia.
Terminaremos o shopping do Cavalo Baio mais rápido que o metrô de Curitiba.
Com coragem e força, enfrentaremos a adversidades, venceremos e aprenderemos com isso.
No final veremos emergir uma floresta das araucárias toda repovoada e estaremos todos falando polonês.
Pode demorar, eu sei, mas Cracóvia não foi construída num instante.
Nem que eles devolvam nossas casas que estão no Bosque do Papa, voltaremos atrás.
Há um ditado polonês que diz: "Quando não há nenhum vento, reme".
Rumo ao Rio Chimbituva, a desintegração era o remo que nos faltava.
...
Do widzenia, Kurytyba !