sábado, 14 de março de 2015

Limbo


Há um plano material á margem de nossa realidade onde não se enxerga o horizonte. Neste lugar não existe chuva ou sol, o único momento é o agora, e isso se estende pelo infinito.
Uma névoa cerca os corpos em movimentos inconscientes nas idas e vindas com uma tábua debaixo de seus pés. O ambiente é convidativo, parecido com o que se imagina como céu. Paz e êxtase ludibriam e embriagam aos que descem as rampas do Limbo do Tayrá.
Os paredões de cimento anulam a gravidade das coisas.
Respirar, subir e descer, tentar uma manobra, respirar. É peristáltico.
Um ano no limiar equivale a dez anos lá fora e você não sabe quanto tempo se passou. Não se importa. Apenas diz para si mesmo: Eu estou bem.
De baixo para cima, flutua pelo double face.
A vida se esvai e volta no quinhentos e quarenta.
De slides em deslizes. Andar a pé, sem embalo, dá enjôo.
A cada verão pessoas fascinantes de terras exóticas vem visitar esta zona fantasma. Houve meninas de um tal Palomar, uns piás de uma tal Vila Nova, Pequim, Shangai, diversos Shangri-lás. Gente com tempo para admirar, aprender a andar em cima da tábua e fazer amizade.
Ninguém dura mais que uma estação. Ao fim das férias escolares, retrocedem ás aulas.
Um dia aparece uma carta anônima. A admiradora secreta idealiza-o como herói. Cada salto um golpe na sociedade. Bravura em cada varial, em cada kickflip. Acertou um impossible, conquistou alguém.
Qualquer um acostumado com olhares reprovadores de transeuntes ficaria lisonjeado.
Ela se aproxima aos poucos, faz seus joguinhos românticos. A própria mensageira revela-se como fã.
Chama para perto - apenas conversar sentados na savana parece algo inocente.
As mãos se encontram. Ela arruma os cabelos, mostra o seu charme. Pergunta sobre o amor.
Você a beija. Tem de fazer, pois com aquele brilho nos olhos, a ocasião é única.
E logo interrompe o momento. Tem de repelir, não pode permitir que o contato se prolongue. Empurra a garota.
Expulso do paraíso. A realidade o golpeia. Cai de mau jeito.
Algo deu errado: Está com trinta e poucos anos e percebe que acaba de beijar alguém com menos da metade
de sua idade. Poderia ser sua filha. Pensando melhor, é a filha de alguém.
Ela não entende e sobe a Archelau chorando. As amigas imaginam o pior e correm acudi-la.
Quem vai entender se o vagabundo molestou a menina?
Não sabe o que está fazendo. O encantamento se desfaz. Toma conta do prejuízo. Distingue para que lado fica sua casa e caminha outra vez.
De volta a nosso mundo, imprime vinte folhas de um currículo mirrado, coloca na pasta debaixo do braço e prossegue em passo firme e cara amarrada. Mais um vilão rondando as ruas de Araucária.
...

Enquanto isso no centro da cidade:
- Seu prefeito, viemos protestar! Queremos mais limbos!

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