segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Ando por uma Araucária

Ando por uma Araucária bem mais tímida, caminho por veredas escondidas. Sempre moça, linda irmã mais nova, bicho do mato, inocente vizinha pobre e coitadinha. Torce-se o nariz e ninguém amaina o olhar de canto.
Araucária do manso e poluído Iguaçu, onde o pingo de chuva é o purgatório do cárcere. Seus tons de cinza competem, entre céu e água.
Dos colonos, de tradição, de mundos tão próximos e tão distantes. Essa sempre nova cidade-dormitório deveria conhecer a colônia. Onde não se dorme, onde o verdadeiro suor é derramado no arado. Sob o sol á pique o afinco indestrutível dos polacos.
Um tobata, uns terneiros, uns alqueires e uns litros de bracatinga para se viver. Dá para ir até a praia, e eles ainda não chegaram no Ponzal. Duas horas de viagem em estrada de chão. Se perder o ônibus, só Deus sabe.
Araucária das escadarias do Tropical. Apesar da simpatia o chão está sujo de sangue... Que lombras!
Perco-me pelos becos do Maranhão, da empoeirada rotatória. Quando o gari sair de férias e parar de tirar areia, se preparem para a duna. A criançada esperta anda treinando bundacross nas obras do futuro Uirapuru.
No beco oferecem-me uma coisa. Uma coisa, não sei o que é. Nunca parei para saber e atento às tradições, não converso com estranhos. A gente finge que não conhece todos os vizinhos.
Na curva do São Sebastião, o bangalô assume ares fantasmagóricos.
Cidade da festa anual obrigatória no parque. Únicos shows de nossas vidas. Como é possível ter gente de fora vindo prá cá? A gente nunca sairia daqui. Imagine se largar para um lugar desconhecido!
Ando, caminho mais e não descubro as plantações secretas de pêssego.
Araucária do Bar Ki-samba. Onde os tiozinhos, na vanêra, caçam amor e falta de compromisso em meio a cubas e stanheger. O garanhão da madrugada percorre o salão com uma morena, saracoteando e feliz. Orfãos do Colúmbia, orfãos do Operário, orfãos do União.
Quando acaba a madrugada a piazada sai do baile aos uivos, aos urros, aos gritos, acordando a vila inteira. Arruaça na madrugada não é raiva. Saibamos compreender a imaturidade juvenil.
Cidade da Feira do Peixe Vivo. Quem mata o coitado do bichinho? Deveriam vender aquários, ao invés de lucrar com a sua morte.
Da pista de skate abandonada, foste alegria na geada e em solitárias viradas de ano. Os skatistas nas ruas de terra e sem a tabuinha para brincar.
Do Chimbituva. No alto, o mirante com vista para lugar algum... Os morangos do japonês!
Cidade assassina de rios, por ali outro sumidouro de leitos. A paisagem feita pintura, só na Cachimba ao longe.
O bom povo crente, que sempre inspirou simplicidade. Graças a Deus, a salvação! Temos mais igrejas do que bares pelas ruas do Tindiquera. Igrejas que, no crepúsculo, rasgam o silêncio, clamando na amargura e expulsando demônios ao microfone ecoante.
Ando na Araucária das briguinhas entre Werka e Szymanski. “Ouvi um boato que tá vindo toda a turma de lá”. Como se fosse possível todo um colégio se unir. “Vai ter briga na saída!”. Incrível, certos momentos em que nenhum adulto aparece e as meninas se arranham, perdem as roupas e cabelos rolando no asfalto. Eis o chão dos briosos tingüís.
Minha melhor Araucária está no Seu Jaime, na casa da virgem que desmaia, na antiga casa da babá pigmeu, Osmarinho, Zé Macaco, o velho barreiro, o cobrador. Todos aqueles bons rostos conhecidos. O Pivete no muro que a tudo vê. A fazenda da Polaca. No campo do Bastião, tomo posse da bola, mas me canso até o gol.
Todos nascem como mito do batateiro da caroça de repolho!
Na descida e na subida do Szymanski.
O onipresente pinheiro não nos deixa esquecer os resquícios de nossas raízes.
Tindiquera, donzela de frescor juvenil brinca com petróleo a teus pés.
Araucária, terra de desconhecidos. A mão na boca escondendo os dentes, a simplicidade sem orgulho.
Ladeia a linda Cidade Sorriso, uma cidade feita de luz. Sou daqueles que gostam de penumbra. É um diamante bruto, e nos teus humildes encantos andei e não me esqueço!

(extraído do E-book Crônicas Araucarienses)

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