terça-feira, 28 de outubro de 2014

Os intocáveis

Um novo ano, uma nova turma e uma sala repleta de desconhecidos. Um piá desconhecido, ao invés de puxar algum assunto e fazer amizade normalmente, me diz na lata que somos primos. Foi um baque. Acabou a folia, passei a aula inteira, muito pensativo.
Na saída, um polaco alto, vai de encontro ao menino. Cumprimenta meu pai, com um aceno discreto. Sem muito contato, como se houvesse uma barreira entre eles. Um impedimento moral. Um sorriso demonstra alguma remota parceria entre eles.
Primo de segundo grau. Filho da prima do meu pai, que se separou de não sei quem. Não entendi direito. O inconcebível é que existam ex-parentes.
Os anos se passaram e perdi o contato. Escondeu-se tão bem de mim.
Dias desses meu pai contou-me que continua escondido. Pelas estripulias, foge da policia, pelo Morro do Piolho. Virou história secreta, assunto esquecido.



Um novo ano, um novo emprego e um escritório repleto de desconhecidos. Uma polaca desconhecida, ao invés de se apresentar, puxar assunto, me diz na lata que deveríamos ser parentes. Fiquei no vácuo. Sem entender nada.
Disse que freqüentava minha casa - Não sei como.
Se apresentou como Clarisse, a namorada do meu irmão mais velho.
De minha infância apenas lembro de meu irmão voltando mais tarde, cantarolando seu nome no violão. Minha mãe foi a única presença feminina naquela casa. Eu saberia.
O tempo curou muito bem as cicatrizes. Meu irmão não chorou mais. As cartinhas de amor foram pra fogueira. Um caderno com poemas virou papel para rascunho.
Como explicar a ela que virou história secreta, assunto esquecido?



Outro ano que se foi. O casamento em que fui padrinho se desfez. Ajudo meu ex-cunhado a empacotar suas coisas. Sendo prático, ele vai voltar para ... temos de evitar novos churrascos. O time com um a menos, no futebol de quarta. Sem mais intéra. Vai se embora o parceiro de muitos rolês.
O cara esquisito, vendedor de carros, estudante de História, vai fazer falta. Nunca mais rock gaúcho por esses lados, nem guaca mole e cervejas importadas.
Típico curitibano com mil amigos infiltrados em todas as brechas possíveis da sociedade. Logo aparece um novo amor. E o ex, tem o nome proibido. Um elemento de uma história secreta, assunto esquecido.



Outro ano que se foi. O namoro se desfez. A confiança ruiu. Me diz na lata que devemos ser apenas amigos. Uma semana depois, quando recebo o recado para visitá-la, não achei que ganharia um envelope com todas as fotos rasgadas. Aquelas em que apareço feliz. A paixão desapareceu e nossos caminhos se distanciaram de vez. Houve choro, fossa, porre, e tudo mais como o de costume.
Abandonei o curso de inglês, o grupo de jovens da igreja e o povo gente fina daquele bairro. Meu ônibus agora é outro e até a barraca de cachorro quente.
Um batateiro ouvindo samba, não era lá, muito trivial. E revendo meus passos, vi o quão ridículo o amor me tornou.
Virei persona non grata na sua metade da cidade. Na vida de muita gente, tornei-me invisível. Pertenço a uma casta intocável. Um homem de preto, um fantasma do passado.
Me movo silencioso. Só eu percebo. Eu estou entre eles. Eles estão entre nós.

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