sábado, 25 de maio de 2013

Andaime

Mil peões. Por todos os lados. Pedreiros sobem e descem pelo arranha-céus. Cada dia mais alto e mesmo assim, não se compara ao pedestal em que me coloquei. Padeço por falta de afinidade.
Eles podem ser boas pessoas, amáveis, formidáveis mas isto não me toca. Ser é ser percebido. Sou apenas um corpo que vaga pela obra a empilhar tijolos. Constroem andares e mais andares. Minha é a serventia.
Me pergunto quantos deles deram uma guinada no rumo da vida?  Quantos não pertencem a esse lugar? Quantos estão perdidos no canteiro de obras?
A vida não se resume a isto, mas quantos destes leram o Manual Prático de Delinquência Juvenil? Quantos andaram de skate? Odeiam surf? Quantos apreciam arquitetura pós moderna? Com quem converso sobre design de móveis?  Tem alguma ideologia? Sabem o que digo? Escrevem crônicas? Sabem diferenciar Noir de Nouvelle Vague?  Qual deles sonha em conhecer Gibraltar? Voar de balão?
Quem é um vexilologista amador? Sabem o caminho das Indias no mapa? Assistiram o Interestela 5555? Faculdade? Terceiro grau? Trevisan, Oiticica, Cimples, Dose, Hakim Bey, Banksy, O Uivo, nada?
'Que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando anjos índios e visionários'
Meu universo de referências sequer é capaz de assentar um tijolo. A informação absoluta que é igual a um resultado nulo. Dói entender. Perco palavras a cada minuto.
Mesmo que ler Kafka faça mal á meu futuro operário, não posso demonstrar qualquer resquício de insatisfação. Trabalhar sem respirar. Prego que se destaca é martelado. Questionar ou reclamar são sinais de desajuste. Uma podridão a extirpar. Serei forte.
Aqui, o conhecimento é lixo. Engana-se quem pensa ser poder. E a vida vai se afunilando.
O mundo sorri em marmitas, pagamentos e prostíbulos. Triste, escapo do vácuo e disfarço um sorriso. A cigarra  dissimuladora e as formigas.
Entre argamassas e argonautas, me peguei apelidando cada capacete por letra grega. O espelho nega a minha presença.
Resta-me esmaecer o léxico, sintonizar outro canal. Cada lembrança é disrupta, desconexa, contusa, confusa. Apago as pegadas, limando cada lembrança.
- Ei, primo, não perca o prumo. Traga o cimento e a areia...
- Sim.
Projeto Manhattan, Projeto Manada, dervixes, sufis, pichadores, tegueiros, Pictoplasma, Toy Art, Provos, Frank Viola, Genizah Virtual, Zâmbala, Zanzibar, Tanganica, Quinto Andar, Guernica, Cubismo, Dadaísmo, Rococó, Movimento CoBrA, Arauzine, Construtivismo Russo, Serpieri.
- Seu menino, me alcance a colher e a desempenadeira.
- Sim.
Celacanto provoca maremoto, Juneca, Japa Kamikase, Perê, Tiri, Garage House, Batata House, Loft Lona, Mercado Mundo Mix, Atari Teenage Riot, a grande fome irlandesa, a grande fila do leite, Carne Crua, a dama do lago, a dama do Largo, pinhão, leite quente, banana da terra...
- Bóra, colocar este azulejo ali. Fica de olho no esquadro.
- Sim.
Monge da Lapa, Contestado, Ilha do Mel, Ilha das Flores, JDilla, Rap Francês, Reggae Argentino, Rock Japonês...
Esvazio a mente. No presente, atento á laje. Tento meditar mirando a parede rebocada. Chapiscos tem formatos de galáxias.
Sozinho, atrás do concreto.
Sim, até sumir.

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