sexta-feira, 22 de março de 2013

Bel-prazer


Disseram-me que ela tinha pacto.
Só porque ela é linda demais? Loirinha, baixinha, olhos azuis, aparelho nos dentes, uniforme do Szymanski perfeitamente colado no corpo. Que mal há nisso?
A pequena vila perece em miséria medieval, mas ela mora numa das poucas casas de alvenaria, o único sobradinho. Na minha rua, por sorte. Para os vizinhos, aquelas paredes calfinadas são como um castelo onde vez ou outra comparecem para mendigar. E o ciúme deles aumenta a cada prato de comida recebido.
Seus pais trabalham. É por isso que anda bem arrumada. Deveria ser um tanto trivial. E como dizer isso para todas as molambentas da região? Essas que acham algo fantástico nunca vê-la repetir roupa e agora a evitam por medo de alguma praga.
Comprar outro carro, viajar por uma semana, chegar de taxi em casa, enfim, tudo é motivo para que aqueles “olhos de corvos” imaginem poções na cozinha, rituais na lavanderia. Percebi que a esquina forma uma encruzilhada! Coincidência.
O cachorrinho dela morreu de velhice e o enterro foi num terreno baldio. Quem tem a língua grande, jura ter visto o animal estripado e sem coração.
O pé de amora carregado, mas as crianças dos arredores tem medo de subir no muro catar um pouco.
Nos corredores estreitos do colégio, nossos olhares se cruzaram. Dias depois mando um recado que quero conhecê-la. Depois de tanto falatório, converso com ela meio receoso, mas com um simples beijo começou o encantamento. Ficamos.
– Olha lá, piá. Isso não é natural. É algum tipo de magia – alertam os piás da vizinhança.
Ando na vila, rodeado de espectadores debruçados em portões esperando algum carro me atropelando, um raio caindo em minha cabeça.
Saio até pracinha e acompanhado de algumas colegas femininas. Nada sério. Ela vê pela janela de seu quarto. Acenei de longe. Baixei a cabeça e segui em frente meio indiferente. O que não tem remédio, remediado está.
No bar, chamo seu irmãozinho de cunhado. Ele não entende. Ela me ligou minutos depois, mas eu não estava em casa.
Marcamos outro encontro, tive de faltar.
Ela pareceu normal na virada do ano, quando ficamos pela segunda vez. Não era uma viúva negra, nem bruxa, apenas uma menina delicada que caiu nos meus joguinhos emocionais. Gosto desta estratégia de “morde e assopra”.
Ela que me aceitou. Nada foi forçado. Agora em minhas mãos, sem feitiços e sem magia, fraqueja.
O amor tudo suporta e serve de consolo.

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