sexta-feira, 22 de março de 2013

O suicida


Vem de fora, o mais original suicida da cidade. O moço subiu no alto da torre da velha igreja e se jogou sem hesitar. Quem daqui imaginou algo assim?
Ele quebrou-se por inteiro e não morreu. Sorte de curitibano.
Sinto lhe dizer que dificilmente daria certo. Araucária é sumidouro de gente, mas “morte matada”.
Desovam-se corpos aos montes, pelas estradinhas rurais. Tiros e quedas ás margens do Passaúna. Tombam á tôa, por muito pouco, em nossos bairros mais distantes.
- Se for para aqueles lados, tem que levar escudo para se proteger das flechadas dos índios - citação costumeira dos araucarienses.
Agora agoniza no Hospital do Trabalhador enquanto muitos nem tiveram esta chance. Aqui, a todo o momento perecem na trairagem enquanto vem e vão, sem sequer dever algo.
Conforme a policia averiguou com seus parentes, sua vida estava de cabeça para baixo nos últimos dias. Inúmeras dívidas, demissão do emprego e o fim de um relacionamento amoroso parecem ser a motivação para o ato. Quem pensaria o contrário?
Ninguém sabe é que uma gralha azul alçou um voo rasante sobre sua cabeça a cada mau agouro. Foram três aparições, todas certeiras em seu fim. A ave o cercou no Centro, no Pinheirinho e no Boqueirão.
Acordou com o grasnar. Aflito, saiu de casa ás pressas. Viu de revesgueio o par de asas batendo em sua direção. Seguiu para Araucária, procurar uma velha benzedeira. Deu com os burros n’água. A senhorinha caolha morreu há algum tempo. Com sua nora sobrou apenas algumas receitas de chás medicinais e um livro despedaçado com significados de sonhos. Algum vizinho ainda vinha consultar sua sorte.
Pediu para a moça abrir na página que fala sobre pássaro, de preferência azul: Angústia, liberdade tolhida.
Justo num domingo, o dia mais melancólico da semana, com o prenuncio de nova tragédia, da possível prisão injusta entrou em choque. Sem norte, sem horizontes para a Cidade Sorriso, pulou para a morte, antecipando a dor.
E francamente, quem já viu gralha azul por essas bandas?
Jamais.

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