sexta-feira, 22 de março de 2013

Carmozino



Conheci Carmozino, andando pelas ruas do Jardim Shangai. Passaria como mais um cidadão comum, não fosse o rosto lambuzado de um creme branco e um colar de pequenos ossos no pescoço. Todo esquisito.
As roupas rasgadas de punk e os piercings espalhados pelo corpo são aceitáveis nestes dias de fim de mundo, mas passear descalço é exagero.
Sua pequena barbicha é como um troféu dos dezoito anos. Vive cantarolando músicas sertanejas de um jeito apaixonado, mas fica eufórico com Raul Seixas.
Eu soube que o colar era de uma carcaça encontrada na rua. Levou o bicho para casa para se decompor ás suas vistas. Os vizinhos não gostaram, chamaram a policia para averiguar. Perturbação de sossego. Motivo pelo qual foi expulso de casa. A gota d’água já era esperada.
Adotou um módulo policial abandonado como seu. Levou colchão, travesseiro e coberta. Volta para casa, quando precisa usar o banheiro.
Muitas histórias e façanhas são atribuídas ao irrequieto Temósclito Carmozino, o bem-querido louco do bairro. Com ele, o assunto nunca morre. Tão agitado, que vez ou outra fala com as paredes, com o cachorro, com o céu, com as mãos, com o que tiver pela frente.
Dizem que invadiu o Paço Municipal pela porta dos fundos e foi exigir do prefeito algumas melhorias. Ele não nega. Gabou-se quando começaram a asfaltar a sua vila na semana seguinte.
Na época das eleições, estava no palanque dos candidatos, como papagaio de pirata.
No jornal da cidade, apareceu sua foto como compositor da música ganhadora do Festival da Canção de Araucária. Parece que viver nas esquinas como vagabundo fez dele um exímio mestre das guarânias paraguaias. Todo mundo diz que foi erro de impressão ou somente alguém parecido.
É o único que conheço que conseguiu dormir no ônibus e acordar no outro dia no estacionamento do Triar. Alguma falha do pessoal da limpeza que o deixaram varar a noite inteira no banco de trás. Ele disse que ficou com duas zeladoras.
Namorou uma Teresa Lôca na Praça Matriz. De um dia pro outro ele se ajeitou. Cortou cabelo, tomou banho, ficou calmo e comportado. Então, ficava esse rapaz prá baixo e prá cima de folia com uma menina esquisita de saia rodada. Ela se passava por cigana e fingia ler mãos. A mentira corria solta, assim como o dinheiro gasto com crack. A maior das noiadas. Loucura demais até para ele. Largou mão. Não era bobo.
Numa fase espiritual, de terno e gravata, surgia nas igrejas da cidade, sempre alardeando um atropelamento na esquina. Enquanto meio mundo corre para ver sangue, ele aproveitava a deixa para bradar aos que ficaram: “Arrependei-vos, crentarada!”.
Voltou a estudar, mas pertencer a uma instituição e seguir suas regras deram um resultado negativo a ele. Não conseguia se concentrar. No caderno, as anotações, garatujas e rabiscos mostravam a fuga de ideias. Em suas idéias de grandeza, acreditava que seu pai era dono de Araucária, da Refinaria, do Bakana’s. Não era mentira, eram os primeiros sinais evidentes de loucura.
Compareceu á aula de chinelos. Outro dia, descalço. Também com uma baita cueca samba calção. Tudo o que geralmente se sonha, ele trazia para realidade. Que inveja. Só não conseguiu voar.
O fim da picada aconteceu quando apareceu com o cabelo e o rosto todo ensaboado. Os professores envolveram pedagoga, juizado, o escambau para tirá-lo da escola.
A falta de convívio social contribui para sua primeira depressão. Foi internado, mas escapou em poucos dias.
Sem sono, perambulando pelas ruas, topou com um pessoal se preparando para pegar um ônibus de excursão para praia. Entrou de gaiato e sumiu no mundo. Uns meses depois o viram trabalhando na balsa de travessia para a Ilha do Mel. Assim que gritaram seu nome, ele recobrou sua consciência. Mais ou menos.
Voltou á pé para Araucária. Não morreu de fome por que afanou um cacho de bananas em Morretes.
De andarilho passou a ser maratonista. Hoje, é atleta patrocinado pela prefeitura,
Na estante da casa de sua mãe estão alguns troféus ganhos e uma foto com seu ex-pai, o prefeito.
Apesar de tudo, de um jeitinho aqui e ali, esse maluco sabe viver.

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